“Um autor que não teve domínio ou controle final sobre a sua obra e que dependia de outras pessoas.” A observação feita pelo pesquisador e biógrafo de Patativa do Assaré (1909—2002), Gilmar de Carvalho, se refere ao fato de que, diante das limitações provocadas pela deficiência visual, o poeta cearense precisava de quem transcrevesse seus textos. Figura importante do Nordeste profundo, será Antônio Gonçalves da Silva — como consta em seu registro — o homenageado do Dia do Escritor, da Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj), que celebra a Literatura Popular. A comemoração será transmitida pela Instituição, nesta quarta-feira (29), às 16h, via YouTube.
Embora a antologia do poeta esteja permeada pelas variações linguísticas, já que mais de um redator levou ao papel as palavras do Patativa. Para a felicidade de todos seus admiradores, garantiu a publicação das obras do homenageado. “Que injusto seria um mundo órfão dos versos de Patativa do Assaré. Esse poeta tido popular, mas que levantou questões tão pertinentes e urgentes ao seu lugar e à sua gente. Tenho orgulho de recordar a contribuição do meu tio, José Arraes de Alencar, que ao ouvi-lo na Rádio Araripe, na cidade do Crato, tomou para si o dever de financiar seu primeiro livro”, refletiu o escritor e presidente da Fundaj, Antônio Campos.
Assim, o homem do circuito oral, que começou a fazer verso aos oito anos de idade, estreou no mercado editorial com Inspiração Nordestina (1956). A perda parcial da visão aos quatro anos, sequela do sarampo, não o impediu de frequentar a escola por seis meses. “Nasci com o privilégio de entender tudo que um escritor escrevesse ali. Contando a história, por mais intrincada que fosse, caia logo na minha mente e sabia o que ele tava dizendo. Era lendo, a curiosidade de saber o que era a minha terra, a minha gente, que pude obter um vocabulário com o qual posso dizer o que quero”, conta o poeta, no documentário Patativa do Assaré: ave poesia (Rosemberg Cariry, 2007).
“O Patativa pagou ao José Arraes de Alencar com a saída dos livros, que venderam muito bem. Naquele ano, ele já era muito conhecido e fez um trabalho nesse sentido. Declamava, vendia, levava para espaços públicos, para a feira do Crato, aos programas de rádio que participava. Tinha muita noção de difundir a sua obra e fez com que ela circulasse”, aponta Gilmar de Carvalho, autor da biografia Patativa do Assaré (Democrito Rocha, 2000), admirador confesso, que integra a programação às 17h. “O que escreveu [Patativa] mantém um frescor, que não é próprio do modismo, da poesia feita de qualquer maneira. Ele sabia o que estava fazendo.”
Gilmar acompanhou Patativa do Assaré de 1996 até 2002, quando o poeta faleceu. Em março, lançou o paradidático O melhor de Patativa do Assaré, em parceria com o estado do Ceará. “Fiz o livro em voluntariado. Quero que Patativa seja lido por alunos de escolas públicas. Ainda tenho o projeto de fazer um almanaque, com o Patativa para jovens, descontraído, mais engraçado e acessível. Quanto mais leio, mais tenho vontade de ler. [Ele] provoca um encantamento, uma tomada de consciência. É uma poesia extremamente enraizada nos problemas sociais, nas desigualdades e complicações da vida do homem do campo, na reforma agrária”, conclui.
Além de Gilmar de Carvalho, participa do bate-papo o diretor presidente da Universidade Patativa do Assaré, Francisco Palácio. “No envolvimento com os educadores, tive contato com o poeta Patativa. Foi quando pude perceber a importância de sua existência. De baixa estatura, ele representava muito não só para o Assaré, como um expoente para o estado [do Ceará] e para o Brasil”, comenta, ao recordar a vez em que apresentou o poeta, em 1977.
“Montamos um palco em cima de um caminhão, onde ele recitou alguns poemas de sua autoria e foi aplaudido pelos conterrâneos presentes. Foi quando passaram a sentir de perto quem era Patativa.” Palácio relembra o convívio com o poeta e comenta a presença dos versos do homenageado em provas de concursos do País. O evento contará com a apresentação e mediação da jornalista Andrea Trigueiro, que conheceu o cearense na cidade de Exu, no Sertão de Pernambuco.