A morte de Hugo Chávez despertou uma verdadeira torrente de reações dos mais diferentes matizes em várias partes do mundo. De um lado observa-se uma comoção popular sem igual na Venezuela, um país em transe e externando manifestações autênticas de dor e sofrimento, visíveis no rosto do povo. Por outro lado, estouram na imprensa ocidental e nas redes sociais, inclusive no Brasil, manifestações de contentamento pela morte de mais um ditador. A morte de Chávez revela o misto de contradições e sentimentos diversos, amor e ódio, que envolveram e marcaram a sua trajetória política desde 1992 até os dias atuais.
Podemos não concordar com muitas de suas ações e opiniões, mas não podemos negar-lhe um lugar na história da América Latina, ao iniciar uma linha de atuação que inspirou diversos governantes por todo continente: Bolívia, Equador, Peru, Nicarágua, entre outros.
O sucesso do chavismo só pode ser entendido quando se olha o panorama político latino-americano, marcado pelo conservadorismo dos nossos políticos profissionais que se alternam no poder, mas mantêm agendas políticas semelhantes. Usam o discurso social e do desenvolvimento apenas como estratégia para alcançar a vitória, porém ao tomar posse, mantêm as estruturas sociais desiguais intactas. Tal fórmula também se repetia na Venezuela, pois apesar do país ser um dos maiores produtores e exportadores de petróleo do mundo, o quadro social de lá sempre foi marcado pelas desigualdades e exclusão social.
Chávez rompeu com essa realidade ao assumir o poder em 1999, ao utilizar pela primeira vez em larga escala as receitas da exportação do petróleo para diminuir as desigualdades sociais em seu país: montando programas de renda mínima, de qualificação profissional, investindo na educação pública, na erradicação das favelas, na reforma agrária e na valorização herança cultural indígena e negra. Dando voz e vez pela primeira vez ao excluídos na sociedade venezuelana, fez o que nenhum presidente antes dele ousou fazer, colocou o Estado para funcionar em prol do cidadão, daí se entende o porquê da comoção popular que está ocorrendo no país.
Se por um lado as ações sociais do chavismo atraem admiradores ao redor do mundo, são nas esferas política e econômica que se encontram as suas principais contradições. Pois de um lado pode-se defender o regime ao afirmar que ações políticas dele eram aprovadas através de plebiscito por ampla maioria, que a lei respaldava as sua ações no controle da mídia e que as eleições da Venezuela eram acompanhadas por observadores internacionais. Sob outro aspecto, porém, pode-se também afirmar que o regime bolivariano devorou os ideais iniciais e converteu-os apenas num regime caudilhesco de cunho personalista com culto ao líder.
O regime chavista será criticado principalmente pelas modificações frequentes na constituição para se perpetuar no poder, por caçar concessão dos meios de comunicação que lhe faziam oposição, ao criar e armar milícias populares para defender o país de uma suposta invasão, mas que funcionam mais como força paramilitar do regime. Também não são isentos de críticas os seus flertes com ditadores ao redor do mundo, alguns deles com um longo histórico de abusos aos direitos humanos, bastando apenas que os mesmos fossem adversários dos EUA para conseguir o apoio do venezuelano.
Na esfera econômica, deixa um saldo econômico negativo ao não utilizar receitas da alta do preço do petróleo para diminuir a dependência econômica das exportações dos hidrocarbonetos, praticamente a única fonte de renda do país. Pois utilizou parte dessa renda para financiar a economia dos países vizinhos, como forma de ampliar a sua influência política, ou promovendo uma modernização em larga escala das forças armadas do país, desestabilizando a geopolítica da América do Sul e provocando uma corrida armamentista na região. Ao estatizar amplos setores da economia venezuelana, jogou-a numa encruzilhada com o seu socialismo bolivariano, ao tentar controlar a economia por decreto, estabelecendo o tabelamento de preços e a expropriação dos meios de produção. Atualmente, a inflação beira ao descontrole e o país passa por apagões de energia e pelo o desabastecimento frequentes de produtos de primeira necessidade.
Chávez deixa um país dividido e um clima político acirrado e principalmente uma incerteza: a criatura, seu regime, poderá sobreviver sem o criador? Poderá existir Chavismo sem Chávez?
*Mário Benning é analista político e professor no IFPE