Opinião – Incontemplação frenética ou a temporalidade das redes – por Fred Santiago*

Mário Flávio - 01.03.2024 às 14:33h

O ato de contemplar exige atenção, pausa, entrega. Ao contemplarmos iniciamos um movimento, através do qual nos perdemos para em seguida nos encontrarmos na relação com o objeto contemplado.

Esse movimento, permeado por minúcias e sutilezas, não resiste à pressa. Necessariamente, transcorre lentamente, num atento demorar-se. A contemplação é, portanto, aspecto fundamental da existência, presente, embora não seja facilmente percebida, no universo das relações sociais.

As relações afetivas, só para citarmos um exemplo, são impensáveis sem o ato de comtemplar. Os enamorados se contemplam porque se entregam, “esquecendo” tudo que os rodeia para serem tomados por completo, contemplando-se mutuamente.

O problema é que, na sociedade atual, marcada pela rapidez do universo digital, estamos perdendo a capacidade de contemplar. Estamos sempre com pressa, tendo a sensação de que o tempo nos foge. Experimentamos uma nova experiência de tempo.

É no universo das redes sociais que essa experiência de tempo se mostra mais nítida. A imensidão de informações, imagens, textos, áudios, etc, imprimiu um ritmo muito rápido, que, entre outras coisas, modificou nossa percepção da realidade, fazendo com que desenvolvêssemos uma noção de tempo, que nos retirou a capacidade da contemplação.

Assim, vivemos hoje uma temporalidade a qual podemos chamar de “incontemplação frenética”. O incontemplador frenético não para. Sente uma necessidade incontrolável de acompanhar absolutamente tudo que é postado nas redes sociais. Cinco minutos sem o bip de uma mensagem no seu smartphone lhe causam pânico, pois lhe trazem a sensação de estar fora do mundo.

O estado de incontemplação frenética retira do indivíduo a capacidade de realizar qualquer tipo de atividade sem proceder, ao mesmo tempo,o monitoramento sistemático das redes sociais: assistir a um filme, acompanhar um jogo de futebol, desfrutar de uma boa conversa entre amigos, nada disso escapa à velocidade avassaladora da incomtemplação frenética, pois todas essas coisas “demoram”, ao contrário da temporalidade das redes sociais onde tudo é acelerado.

Nesse sentido, vivenciar os eventos da vida cotidiana ganha ares de “perda de tempo”. A incontemplação frenética tem até uma dimensão patológica, que pode ser observada numa síndrome surgida recentemente, conhecida pela sigla FOMO do inglês “fear of missing out”, que quer dizer o medo de ficar de fora.

Ou seja, a pessoa passa a sentir uma necessidade irresistível de ter que acompanhar tudo que está ocorrendo no universo digital, pois, caso isso não ocorra, é tomada por uma sensação de incompletude, como se o tempo estivesse passando e o indivíduo ficando para trás. Essa noção de tempo fez das pessoas prisioneiras do instante presente, criando uma espécie de hiperpresentismo, onde cada momento é rapidamente substituído pelo momento seguinte, restando somente uma sucessão de agoras. Esses agoras são cada vez mais rápidos, para que se evite ao máximo a existência de intervalos, pois estes significam “perder tempo”.

Como afirma o filósofo sul coreano Byung-Chul Han:
“Se os intervalos se abreviam, a sucessão de acontecimentos acelera-se. A densificação de acontecimentos, informações e imagens torna impossível a demora. O rápido encadeamento de fragmentos não deixa lugar para uma demora contemplativa”

Na temporalidade das redes, a velocidade se apresenta como qualidade indispensável. Quanto mais veloz, melhor. Uma das plataformas mais acessadas pelos incontempladores frenéticos, o Tik Tok, estabelece o limite máximo de cinco minutos para a exibição de vídeos. Cabe ressaltar que, esse limite vale apenas para os perfis com uma grande quantidade de seguidores. No geral, os vídeos dessa plataforma duram apenas sessenta segundos.

O mecanismo de aceleração das mensagens de áudio diz muito sobre o estado de incontemplação frenética. Aceleramos a fala do outro, pois não temos paciência para ouvir. Ouvir o áudio na velocidade normal nos traz a sensação de estar perdendo tempo. Assim, acionamos a velocidade 2x no intuito de, rapidamente, passarmos para o próximo e assim, indefinidamente.
Esse mecanismo de aceleração da voz do outro provoca a falsa sensação de controle do tempo, como se coubesse ao indivíduo estabelecer a duração de um evento.

É como se a pessoa tentasse, em vão, sincronizar o tempo da vida concreta com o tempo das redes sociais. Ao robotizar o outro, através da aceleração de sua fala, o indivíduo acaba por estabelecer a rapidez como mediação necessária ao estabelecimento das relações interpessoais. Dessa forma, quando não se pode manipular o ritmo da voz do outro, no caso de uma conversa pessoalmente, tem-se a sensação de que aquelas pessoas que se comunicam mais lentamente se tornaram empecilhos à necessidade de se “ganhar tempo”.

Considerando esse aspecto, fica claro, portanto, que o estado de incontemplação frenética pode ser prejudicial, também, a prática da alteridade.

*Fred Santiago é professor