A experiência do gigante que acordou e foi às ruas, o enfrentamento aos modelos de se fazer política para uns ao invés de todos, demonstra que a representatividade está longe de ser suficiente para o que passamos a ser, “acordados” e cheios de exigências. Acordados e lúcidos, somos capazes de perceber discursos que insistem em nos querer dormindo, confundindo nossos sentidos. Caruaru vive um momento histórico e de vanguarda, temos políticas de participação social concretas, sensível à voz popular, rompendo com modelos mais confortáveis e tradicionais de lidar com o povo e suas necessidades.
O pão e circo não é feito com a escuta popular, ao contrário, desmobiliza a fim de deslegitimar as reivindicações, de enfraquecer a participação. Culturalmente e formalmente somos cidadãos quando a cada dois anos temos a oportunidade de colocar no poder alguém que lute pelos interesses da minha cidade, do meu estado e do meu país e o farão por intermédio basicamente de elaboração de leis e de políticas públicas. Com o amadurecimento das relações sociais, essa maneira estreita de se ser cidadão vai sendo questionado e aos poucos, as pressões populares ganham contornos institucionais, ampliando significativamente a ideia de participação democrática.
Mas, ainda assim, é preciso coragem para subverter práticas de distanciamento, justificados ora na falta de aparato técnico e político das falas populares, ora para assegurar que alguns poucos continuem a manejar o poder e, somados, temos então uma tarefa árdua, porém, possível. Coragem, porque dar instrumentos de participação ao povo, é sair do lugar comum, da zona de conforto, promovendo embates fundamentados, abrindo espaço para críticas e debates construtivos acerca da atuação da gestão administrativa da cidade. Deve ser ato pensado, maturado, pois se algo tem força, é o tal do saber, jamais seremos os mesmos, mais situados, compreendendo a dinâmica relacional do dito e dos feitos, dos procedimentos, encontramo-nos politizados e àquele maneirismo de se vender por um cargo, por uma consulta ou privilégios numa licitação vai perdendo força para a consciência cidadã.
Esse processo não é fácil, muitas vezes essa direção é confundida e delapidando seu mérito em favor da mesquinhez, exemplo disso foi o ocorrido com o encontro do prefeito, promovido pela Secretaria de Participação Social junto à população do Bairro Luiz Gonzaga. Quando alguns deliberaram e elegeram um sentido subjetivo a um termo utilizado pelo prefeito, deu-se repercussão ao que obscurece o mérito do “Prefeitura nas Ruas” , das mais de cinquenta Conferências realizadas até o último domingo, perpetuando práticas sectárias que devemos abandonar, desviando as atenções. Ao menos a mim suscitou uma reflexão: que participação queremos? Aquela que posso frente a frente dizer, exigir, dialogar, ouvir, construir coletivamente com os governantes, ou aquela onde fico sabendo das prioridades por intermédio de uma nota jornalística?
Não se quer dizer que essa medida seja suficiente, ou que está livre de problemas, ou ainda, que em razão disso não haveremos de fazer críticas à gestão. Estamos vivendo um processo de redemocratizar a democracia, que no alto de sua maioridade percebe que é preciso ampliar, alcançar outros espaços e esse deve ser o mérito, esse deve ser o cerne da discussão e mais, essa deve ser a pauta das articulações, a manutenção desse espaço que acaba de nascer.
Lembro de ter ouvido no ambiente acadêmico um alerta no mínimo curioso, “cuidado para não jogar a criança junto com a água do banho!” e vejo, como cabe exatamente ao contexto atual. Temos muito para exigir, temos muito à contribuir, à dialogar, à participar, inclusive, para criticar a fim de que o caminho do bem comum seja retomado, esse deve ser o foco e promover esses espaços é promover uma nova cultura política, atenta ao formato de uma cidadania para todos.
*Katherine Lages Contasti – professora universitária, mestre em Ciência da Informação e mestre em Ciências Jurídicas.