“A HISTÓRIA SE REPETE, A PRIMEIRA VEZ COMO TRAGÉDIA E A SEGUN DA COMO FARSA” (KARL MARX).
Desde Sócrates na Grécia antiga, os filósofos buscaram entender o significado da essência dos homens, o que molda seu caráter, suas virtudes, seus princípios éticos e morais, quais ideais devem construir estes indivíduos e quais papeis eles podem ou devem contribuir para harmonia social. Tanto Platão como Aristóteles vão idealizar um modelo de sociedade mais justa e que tipo de homem público deve assumir tais atribuições.
Distante no tempo e espaço do mundo grego e de todo pensamento democrático que criou o Estado de Direito, está o País de Caruaru, uma simbiose histórica que mistura ao mesmo tempo o atraso das práticas clientelistas e fisiológicas às mais modernas técnicas de marketing e ainda o que se tem de pior no neoliberalismo, se é que existe.
Vivemos uma anomalia democrática, onde o público e o privado se confundem, onde os que se intitulam democráticos utilizam a tirania e onde os que se dizem populares conspiram contra o próprio povo. O povo em si tornou-se uma entidade abstrata, que em seu nome é exercido as formas mais autoritárias de governo. O bem comum e a vontade geral tornam-se causa própria, os movimentos sociais e os partidos que se dizem de esquerda só têm interesse e sentido ao poder quando são cooptados.
Como em uma tragédia grega vivemos quatro momentos distintos:
– O primeiro, foi o do mandato anterior do atual prefeito, que justificou os deslizes ou ineficiência administrativa e incapacidade de gestão à herança maldita deixada pelo prefeito que o antecedeu. Ou seja, o milagre prometido na campanha foi adiado por mais quatro anos.
– O segundo, o da campanha eleitoral, era o momento da redenção, o momento ideal de se fazer tudo que não se pôde, tudo que se prometeu, tudo que se sonhou e só não se fez devido à herança maldita. A arena foi montada, a luta agora seria travada entre o bem e o mal, entre o progresso e o atraso, ente a competência e a seriedade e contra o fracasso e a ineficiência. O palanque foi montado, a frente popular foi organizada, as parcerias com Dilma, Lula e Eduardo fariam de Caruaru o farol, o exemplo para o desenvolvimento de todo país. A aritmética era simples, o Nordeste cresce mais que o Brasil, Pernambuco cresce mais que o Nordeste e Caruaru cresce mais que Pernambuco. O guia mostrou que se existe paraíso, ele começaria a ser erguido em Caruaru. Com um guia eleitoral centrado no Marketing político, ufanista, alucinógeno, hilário e alienante, mostrou que o novo pode nascer do velho, que a experiência e o choque de gestão seriam o paradigma da nova gestão. Uma gestão pautada na modernidade, na eficiência e na transparência administrativa, no diálogo e na participação popular.
– O terceiro, o da transição. Pela primeira vez na história desse país se assiste a transição de um governo para si mesmo, o núcleo duro do governo e da campanha eleitoral foi chamado para conduzir a “Revolução”. Concluído o processo, percebeu-se que as idéias, propostas, projetos e programas morreram no dia seguinte à eleição. O núcleo duro do governo continuou o mesmo, as poucas mexidas que houve no primeiro e no segundo escalão não mudaram em nada a essência e o estilo da gestão. Com a escolha do presidente da Câmara de vereadores, o chefe do executivo deu um recado claro à sociedade: esqueça o que eu disse na campanha e vejam como eu governo!
– O quarto, tem início com a posse do prefeito, do vice e dos vereadores, por alguns momentos se pensou que a proposta de um novo modelo de gestão seria algo sério. Primeiro quando o ex-desafeto e atual líder do governo afirmou de forma contundente “o clientelismo e fisiologismo estão mortos em caruaru”. Em seguida, o prefeito reafirma seu compromisso com um modelo de gestão pautado NA MODERNIDADE E EFICIÊNCIA ADMINISTRATIVA, NA TRANSPARÊNCIA, NO DIÁLOGO E NA PARTICIPAÇÃO POPULAR.
A forma como o executivo municipal enviou o Plano de Cargos e Carreira à Câmara de vereadores e os procedimentos de sua aprovação pelos mesmos desconstruíram toda a retórica da campanha eleitoral e do dia da posse, mostrou que a velha cultura política continua mais viva que nunca. Desta forma, questionamo-nos em nossa sã consciência: se um governo não tem capacidade de negociar com os trabalhadores em educação, como vai discutir com a sociedade civil temas como o orçamento participativo ou respeitar as decisões dos conselhos municipais?
A greve dos trabalhadores de Educação mostrou que através de um ato do executivo municipal se pode vislumbrar como deve ser o tom e o teor da administração para seus cidadãos nos próximos anos. A greve desnuda e expõe a essência de como as oligarquias e as elites dominantes tratam e cuidam de seu povo, dos trabalhadores e da cidade. Infelizmente a democracia é uma miragem, a participação popular uma utopia e o diálogo é um pesadelo para os poderosos. Passamos do país das maravilhas e da festa da democracia da campanha eleitoral, para o país do faz de conta, da farsa e da derrota da democracia.
Este é o legado da semente dos 100 dias de governo, o que poderemos colher após quatro anos?
*Arnaldo Dantas é professor e analista político