Opinião – Democracia Direta versus Democracia Representativa: eu participo ou mais do mesmo? Parte I – por Sandro Vila Nova*

Mário Flávio - 19.08.2013 às 08:25h

Realmente, em política, há poucos consensos. Se há quem diga que, juntamente com futebol e religião, política é algo que não se discute, há também quem defenda ser a discussão mais importante possível, sob pena de sermos arrebanhados por quem dela gosta (e se mantém), como ensinou Brecht.

Não obstante, nos últimos tempos há pelo menos um consenso se formando: os desafios são cada vez maiores, tanto para a população quanto para os governos. E não surpreende a mais ninguém que assim seja. Depois de extensos invernos, há sempre de chegarem as primaveras!

O que tem gerado estranhamento, em meio a esta celeuma, é a aurora de uma nova cultura política, engendrada pelas manifestações de cidadania difusas e multifacetadas ocorridas do final do primeiro semestre de 2013. Um movimento crescente em muitas capitais, cidades grandes, médias e pequenas do país. O povo se organizou, tomou as ruas e fez ouvir a sua voz. E neste segundo semestre tudo tende a continuar: manifestantes, veículos de comunicação, polícia e governantes envolvidos num furacão de transformações. E, quem sabe, continue assim até as eleições gerais de 2014?!

Em Caruaru, não poderia ser diferente. Em maio e junho do corrente ano, às bandeirinhas, aos balões e às quadrilhas juninas somaram-se os cartazes e os gritos e as marchas, que ornamentaram de cidadania a “Capital do Agreste”. O governo municipal declarou que já havia se preparado para dar resposta aos protestos, pois havia anunciado que o mandato seria o mais participativo de todos. E a assessoria especial de Participação Social pôs em prática um programa que havia sido criado no mandato passado, mas só iniciado efetivamente no período de agosto a setembro de 2012, o chamado “Orçamento Participativo”, ou simplesmente as letras iniciais “OP”, como se costumou denominar essa instância de democracia direta.

No mês de julho de 2013, um calendário de plenárias foi divulgado, e a equipe da Diretoria responsável iniciou suas atividades. Ao bem da verdade, quase um ano depois da “Comissão de Operacionalização” haver elegido prioridades e definido os integrantes de um Conselho que não se materializou até então.

Na quinta-feira, dia 08 de agosto de 2013, no PETI do Loteamento Fernando Lyra, a equipe do OP (capitaneada por Lino Portela) apresentou, na chamada “Plenária preparatória”, a “nova metodologia” do que se chamam o “Ciclo 2013 do OP Caruaru”. Foi a segunda plenária preparatória da Região do Orçamento Participativo – ROP 2, Zona Urbana (Norte). Cerca de 70 (setenta) pessoas presentes. Maioria absoluta do Loteamento Fernando Lyra, mais ou menos de cinquenta moradores. Contou-se uma e mais outra pessoa do Maurício de Nassau. Apenas duas participantes do Universitário, também. E só mais cinco do Luiz Gonzaga, inclusive o presidente da associação do bairro.

Bem, quem esteve lá, sabe. As intervenções foram livres (quem quis falar, por quatro minutos, pode se inscrever e dizer o que pensava: discordando, concordando ou, “não, muito pelo contrário”, ou “estamos sendo atendidos” etc.). Pelo que se soube da plenária na Nova Caruaru (abrangendo Nova Caruaru, Severino Afonso/Afonsinho e Vila Andorinha), participaram mais de duzentas pessoas! Quer-se crer que por essa razão o vereador Gilberto de Dora não pôde falar o tanto que queria na quarta-feira, dia 07/08, no Salão Paroquial da Igreja de Nossa Senhora das Graças, na Nova Caruaru. O mesmo vereador continuou no coro dos que resistem ao processo no Legislativo municipal. Seja por falta de entendimento com a responsável pela pasta, seja por falta de entendimento desse programa do governo municipal.

O que também não surpreende é um vereador não querer “comprar a ideia” do Orçamento Participativo naturalmente. Vários estudos apontam os motivos desse comportamento. Claro que, em um primeiro momento, o “representante” não quer ver sua influência ser pulverizada quando os “representados” podem di-re-ta-men-te apresentar reivindicações junto ao Poder Executivo.

Todos sabemos aquilo que os registros históricos nos ensinam: desde que o absolutismo encontrou ocaso no final do século dezoito, o “império da lei” rege as relações sociais modernas, e aquele “Poder” que “emana do povo” fragmentou-se em três funções que devem ser independentes e harmônicas entre si. o Legislativo (fazendo leis e fiscalizando o cumprimento), o Executivo (cumprindo e fazendo cumprir as leis) e o Judiciário (aplicando a lei ao caso de descumprimento apresentado e ainda dizendo o direito que cabe a cada uma das partes envolvidas no conflito).

Já pensou se pudéssemos, por exemplo, todos os brasileiros simplesmente esquecer a existência de um Congresso Nacional de Sarney, de Calheiros, e de tantos outros que “não nos representam” no contexto político atual? Quantas e como seriam as consultas populares (plebiscitos e referendos) para darmos conta dos debates e, principalmente, das votações? Por certo que o Executivo federal não atenderia ninguém, argumentando não ser possível pela simples falta de tempo. Ainda que tivesse arrecadado todos os recursos (tributos), o entrave de ter de ouvir todo mundo antes dificultaria o processo, talvez ao ponto de não se ver executar nem 10% do orçamento no exercício. Pior seria se abríssemos mão do Parlamento para falar por nós. Um Executivo que não respeita e passa por cima dos outros poderes não é um poder democrático. É uma máscara para encobrir a tirania.

Esse exemplo de elevar o “não nos representa” ao extremo é esdrúxulo, mas serve para dizer que políticos gabaritados como Gilberto de Dora, Leonardo Chaves, Ranilson Enfermeiro e Louro do Juá, bem como calouros como Heleno do Inocoop (quem sabe todos os vereadores de Caruaru?!), perceberam é que quanto mais direta e participativa é uma administração municipal, menos a população se agarrará aos pés vereadores com os pires nas mãos (solicitando exames médicos e laboratoriais, exigindo vaga em escola, pedindo emprego, e até dinheiro, mesmo!), os quais, como parlamentares, deveriam estar preocupados em legislar, fazer e aperfeiçoar leis, e fiscalizar os atos e omissões do Executivo. E não se preocupando em atender (ou não, até porque “o prefeito não ouve”) aos reclamos daquilo que se conhece como clientelismo, assistencialismo, fisiologismo ou qualquer outro “ismo” que infelizmente campeia e nossa política municipal. Quando um presidente de Câmara diz que votará em tudo que o prefeito mandar, e, pior, quando ele é acompanhado (nas palavras e ações) pela maioria absoluta da casa, isso é mau sinal. A Democracia, como valor e como prática, perde muito diante dessa submissão de um poder a outro.

Se quisermos lembrar, toda a eloquência sobre a importância do OP em Caruaru já vem sendo mostrada desde 2009. Vamos partir, então, do pressuposto de que os textos relativos à via crucis do OP Caruaru, há pelo menos quatro anos, ainda estão facilmente disponíveis na memória da rede mundial de computadores. É só buscar, que se encontra. Vamos destacar um, sem diminuir o mérito de tantos outros.

* Sandro Vila Nova é servidor público do Poder Judiciário de Pernambuco. Foi eleito como delegado pela RPA-2/Zona Urbana, na plenária do dia 14 de setembro de 2012, e como conselheiro do COP na plenária do dia 25 de setembro de 2012, todas organizada pela “Comissão de Operacionalização” do OP Caruaru