Carolina de Jesus foi uma das maiores escritoras de todos os tempos no Brasil e que teve sua história bastante silenciada, por conta da sua pobreza, negritude e linguajar coloquial. Nasceu em Sacramento (MG), mas durante a primeira gravidez foi morar na favela do Canindé (SP) e sobrevivia catando papéis. Teve 3 filhos e era uma leitora e escritora compulsiva, mesmo só tendo passado 2 anos dentro de uma escola. Retratava a
realidade da favela e tinha um sonho de publicar o seu diário.
O jornalista Audálio Dantas da Revista O Cruzeiro conheceu Carolina após fazer uma reportagem na região sobre o Rio Tietê e ficou com fascinado por sua personalidade e escrita. Ajudou Carolina a publicar seu livro “Quarto de Despejo: diário de uma favelada” que em 1 semana vendeu 10 mil cópias e no total, 1 milhão de exemplares, além de ser traduzida para 13 línguas.
As viagens para divulgação do livro são contadas no seu segundo livro: “Casa de Alvenaria”, que leva esse nome, pois é o momento em que se muda da favela para Osasco e pretende comprar uma casa. É neste livro que Carolina de Jesus conta sua passagem por Pernambuco, começando no Recife e depois indo para Caruaru, no final de 1960.
Carolina levantou-se às 6 da manhã para esperar a Kombi que a levaria até a Capital do Agreste junto com Audálio Dantas. Ela estava no Recife e relembrava do agitado dia anterior que teve tarde de autógrafos na Livraria Editora Nacional e encontro com o prefeito Miguel Arraes.
O transporte só chegou às 09:00 para levá-la à Caruaru com o motorista e o repórter Joacir Fonseca Soares, que caiu no gosto de Carolina por sua “alegria, bom humor e inteligência”. Irá se hospedar no Hotel Centenário e
autografar livros na Barraca Nacionalista.
Elogia a rodovia asfaltada que liga o Recife à Capital do Forró e repara que nos jardins colocaram plantas que suportassem as altas temperaturas, mas que não são coloridas. Exceto o flanboian que dava lindas flores vermelhas. Percebia no olhar dos pernambucanos o quanto olhavam este cenário com ternura. Ficou bem sensibilizada com a situação de miséria dos pernambucanos no caminho ao ver casebres humildes e pessoas
raquíticas: “Fiquei pensando: até na Natureza há seleções. No Sul chove, no Norte não”.
Carolina encantou-se com os caruaruenses. Foi anunciada por uma estação de rádio como hóspede oficial da municipalidade e percebeu o quão agradáveis eram os filhos da Capital do Agreste: “São tão delicados que não se nota o culto e o inculto”.
Porém, ficou com dó dos fãs caruaruenses que a receberam às 17:00 na Rua da Matriz, pois só havia 3 exemplares na cidade de Quarto de despejo para que ela os autografasse. Sendo assim, teve que assinar em livros de outros autores para não os decepcionar: “Fiquei com dó daquele povo. E pensei: eles gostam de ler e os livros chegam aqui com atraso. Gostam de lavouras, mas as chuvas são escassas”. “É um povo muito bom, mas
triste. Está na hora de acabar com a miséria no Nordeste”.
Tratava os fãs com cordialidade: “O seu nome, por obséquio” e “Ao amigo/a …….. com admiração de Carolina Maria de Jesus”.
Em seguida, foi levada ao atual Pátio de Eventos Luiz Gonzaga, onde foi recebida pelo poeta Lycio Neves que usava um terno todo branco. Uma banda de forró animou o local, com zambumbas que chamaram a atenção de Carolina. Notou também que os integrantes eram “pretos, mal vestidos e mal nutridos”, assim como os moradores da favela do Canindé.
Eles olhavam para Carolina com veneração. Um olhar terno e
acolhedor que fez a escritora lhes dar 1000 cruzeiros. Preparam comes e bebes para sua chegada também. Carolina destacou os bolos e bebidas. Apesar da escritora não mencionar o tipo de bebida, relata que era gostosa,
alcoólica e que só não bebeu mais, pois ficou com receio de se embriagar e não cumprir suas obrigações oficiais na cidade.
À noite, jantou no Hotel Centenário com intelectuais, o prefeito João Lyra e o juiz Amaro de Lira e César. Ao todo eram 35 pessoas. Notou que o prefeito, assim como ela, passou o jantar todo calado e na maior parte com os cotovelos na mesa e rosto apoiado nas mãos, ouvindo os convidados criticarem outros políticos.
Já no Diário de Pernambuco, o jornalista Celso Rodrigues afirmou que João Lyra colheu boas impressões da escritora “com quem palestrou demoradamente”. Carolina falou sobre sua impressão do prefeito, após ser fotografada com ele: “Parece ser um administrador bem
intencionado. É de gente assim que precisamos”.
Completou: “Foi carinhoso o acolhimento de vocês. Não esquecerei. No meu próximo livro despertarei a atenção dos políticos para os seus problemas – os problemas do Nordeste. Os presidentes só se lembram de São Paulo e do Rio. Fazem injustiças aos nordestinos. Vou dizer isso”.
A escritora fez um discurso de 6 minutos prometendo denunciar em seu livro Casa de Alvenaria, os problemas que assolam a região:
Visitando Caruaru a convite do ilustre prefeito senhor João Lyra Filho fiquei emocionada com a recepção.
Vi a terra do ilustre escritor José Condé e o seu povo oprimido pela Natureza que sacrifica este recanto do Brasil. O povo é culto comprovando o que a maioria pensa a respeito do Nordestino que se ele tiver meios não mede esforços para ilustrar-se.
O Nordestino no seu torrão, é cordial, culto e atencioso e suplanta o paulista na solidariedade. O desenvolvimento cultural do Nordestino contribuirá para desenvolver o seu estado. Com a condição deficiente do povo, o Estado não devia pagar imposto Federal.
Será que o Governo Federal tem coragem de arrecadar imposto desse estado? A renda deve ficar no próprio estado para ser aplicada em benefício do povo. É preciso que o Governo Federal coopere com os habitantes do Nordeste dando-lhes meios para ele dessinvolver (sic) na cultura e na imigração através do Rio São Francisco. Temos que implantar o homem do Norte no Norte porque se o homem do Norte imigrar-se para
o sul será um inquilino das favelas.
O reduto da delinquência. Percibi (sic) boa vontade nos políticos do
Nordeste que não pode evoluir-se por falta de meios adequados. É preciso que o Governo Federal fique visa-vis com o Norte.
Carolina de Jesus se despediu de Caruaru em direção à Recife no dia seguinte, 16 de dezembro de 1960. Saiu pedindo desculpas à Juscelino Kubitschek, alvo de suas críticas em “Quarto de despejo”, por ela ter notado canos adutores que levavam água para Caruaru de uma distância de 40 quilômetros.
Em Recife, visitou o Hospital do Câncer e ficou tão sensibilizada com a condições dos pacientes que entrou em campanhas que arrecadavam doações para o hospital.
*Raphael Alberti Nóbrega de Oliveira é Mestre em História e professor da ETI Rubem de Lima Barros, em Cidade Jardim – Caruaru.