O Brasil tem uma particularidade entre as nações. Existe uma sensação entre as pessoas, seja na vida cotidiana ou institucional, que a vida só começa, de fato, depois do carnaval. Se esse imaginário já se cristalizou em nossa memória e rotina diária, no caso da política, realmente, o ano novo só se inicia de fato após os festejos de momo. Antes, as tramas, as estratégias e as conspirações eram conduzidas de forma discreta, feitas em sua maior parte na surdina e no jogo de esconde-esconde e disse me disse, era um jogo jogado para uma pequena plateia, formadores de opinião, correligionários e mídia. Agora a coisa torna-se explicita, é hora de ressuscitar os mortos, tirar a poeira dos projetos, afinarem o discurso, convocar o bloco e colocá-lo nas ruas.
Nos últimos anos, o carnaval profano, tem simetria com a folia eleitoral, que se tornou as eleições no Brasil. Como um verdadeiro desfile de escola de samba, tudo tem inicio com o enredo, o carnavalesco (marqueteiro) pensa no tema que deve ser contado e recontado ao longo da avenida. Os temas têm que ser gloriosos e ufanistas, emocionar e encantar a todos que os assistem. Os personagens são herois mitológicos cobertos com o manto da glória, com o elmo da virtude e empulhando a espada da justiça.
A partir do tema, o marqueteiro carnavalesco divide a escola em alas, cada ala conta uma parte do enredo e cada indivíduo deve se vestir de acordo com a fantasia de sua ala. O carnavalesco pensa em tudo, da comissão de frente à velha guarda, desenha como deve ser cada fantasia, alegoria e adereço. A comissão de frente é quem apresenta a escola, é o seu guardião, é o núcleo político de uma campanha, formada pelas principais estrelas e assessores. Em seguida vem o principal carro alegórico chamado de abre alas, mostra o símbolo da escola ou dos políticos, lembrado seus triunfos e vitórias.
O casal de mestre-sala e porta-bandeira mostra para a galera as cores e símbolos das escolas, encarna o ideal de toda campanha, nas palavras de ordem e nas propostas em sua bandeira está sempre escrito, trabalho, honestidade, luta, povo… (adjetivos que todos os candidatos acham que possuem). Os puxadores de samba e a bateria cantam e tocam uma música só (jingles), durante todo o desfile. A letra relata uma epopéia sobre a qualidade e a capacidade empreendedora do candidato, o refrão repetido várias vezes faz com que todos o memorizem.
Toda escola deve ter baianas, que geralmente são pessoas pobres que pelo menos uma vez a cada ano se vestem de luxo e podem se sentir importantes e iguais aos outros. É o que mostra a origem popular. O povo da escola é o mesmo povo que se arrasta em caminhadas, carreatas ou comícios, pensado que aquela festa é para todos e que a alegria vai durar quatro anos.
Na escola de samba não podem faltar as rainhas, as madrinhas de bateria e os destaques, são celebridades que encantam a platéia e representam a beleza e o glamour. São os efeitos pirotécnicos e especiais criados pelas mais sofisticadas tecnologias midiáticas, que desconstroem o mundo real e recriam um universo paralelo do faz de conta, onde a fantasia esconde a mediocridade e as tragédias do dia-a-dia.
Ao contrário do carnaval, que o sonho termina na quarta-feira de cinzas e a normalidade e a rotina voltam a invadir a vida, na política a quarta-feira de cinzas pode se transformar em quarta-feira de trevas que se arrasta por quatro anos. Onde a folia e a alegria dão lugar às angústias e frustrações que só terminam quando os marqueteiros botarem novamente o bloco eleitoral nas ruas. Esses seres divinos e iluminados com base em pesquisas qualitativas acreditam piamente que qualquer estratégia seja possível, quando se convive com um povo medíocre, ingênuo e despolitizado, que deve ser entendido e compreendido como folião, e jamais, como cidadão. Quem ainda não viu este filme, prepare-se! Ele estará em cartaz em 2012, em todo Brasil, inclusive em Caruaru.
*Arnaldo Dantas é analista político