É do conhecimento de todos que os candidatos que participam dos pleitos eleitorais são obrigados a prestar suas contas de campanha, ainda que renunciem, sejam substituídos ou tenham seus registros indeferidos. Essa obrigação denota a preocupação da Justiça Eleitoral com o financiamento das campanhas eleitorais, que reside no cumprimento de seu papel de legitimar os referidos pleitos, conferindo equidade aos que disputam o poder político configurado na representatividade democrática.
Fazendo um breve histórico da evolução legislativa eleitoral, no tocante à prestação de contas de campanha, podemos observar que o tema foi inicialmente normatizado pela Lei 4.740 de 15-6-1965. Em 1971, o assunto passou a ser disciplinado pela Lei 5.682/71. Porém, só em 1993, com a edição da Lei 8.713/93, diante da preocupação com a realidade global do financiamento das campanhas eleitorais, as normas eleitorais direcionaram-se de forma mais efetiva à matéria.
Naquele momento, a referida Lei inovou no que diz respeito às regras para administração financeira de campanhas eleitorais, estabelecendo responsabilidade de partidos e candidatos; estabelecendo critérios para a criação dos comitês financeiros; estipulando formas de obtenção e movimentação de recursos e realização de despesas; limitando doações de pessoas físicas e jurídicas e, por fim, orientando a elaboração de prestação de contas à Justiça Eleitoral. No entanto, essa nova Lei só disciplinou as eleições gerais de 1994, já que para o pleito municipal de 1996 foi editada a Lei 9.100 de 29-9-1995, regulamentando a matéria.
A partir de 1997, as eleições passaram a ser disciplinadas pela Lei 9.504 de 30-9-1997 (Lei das Eleições). Com o advento dessa Lei, deixou de existir lei eleitoral específica para cada eleição. O novo texto trouxe consigo o diferencial de regulamentar o processo eleitoral para todos os pleitos futuros. Com essa consolidação, a Justiça Eleitoral, a cada eleição, adapta a norma vigente à realidade momentânea, editando Instruções Normativas, Portarias e Resoluções que disciplinam toda a matéria eleitoral pertinente ao pleito por vir. Por conta destes comandos normativos editados a cada pleito, o Tribunal Superior Eleitoral tem sido questionado por assumir o papel de legislador e causando, consequentemente, insegurança jurídica e instabilidade política, em total afronta a Lei das Eleições e a própria Constituição Federal.
Para o pleito desse ano, com a edição da Resolução 23.376 de 5 de março de 2012, que disciplina a prestação de contas para as eleições vindouras, a situação não foi diferente. Na referida resolução, o TSE foi questionado por, além de ferir o princípio da anualidade prevista no art. 16 da Constituição Federal, também estar literalmente extrapolando o sentido do texto contido no parágrafo 7º, do artigo 11 da Lei 9.504/97 ao inserir na Resolução dispositivo que prevê que a decisão que desaprova as contas de candidato resulta em impedimento imediato de obtenção de Certidão de Quitação Eleitoral, documento indispensável para a obtenção do registro de candidatura.
O referido parágrafo, que foi acrescentado à Lei das Eleições, pela Lei 12.034/2009, descreve taxativamente que “A certidão de quitação eleitoral abrangerá exclusivamente a plenitude do gozo dos direitos políticos, o regular exercício do voto, o atendimento a convocações da Justiça Eleitoral para auxiliar os trabalhos relativos ao pleito, a inexistência de multas aplicadas, em caráter definitivo, pela Justiça Eleitoral e não remitidas, e a apresentação de contas de campanha eleitoral.” Como vimos, a Lei é clara ao exigir apenas a apresentação da prestação de contas do candidato, sem a necessidade de que a mesma seja aprovada.
Com esse argumento, 18 partidos em conjunto, dentre eles PT e DEM (quem diria?), ingressaram com um pedido de reconsideração junto à suprema Corte Eleitoral para que o dispositivo contido na Resolução, que exige a aprovação das contas, seja modificado.
Por outro lado, ao se analisar a eficiência dessa nova regra eleitoral, resta observar que, sendo o Brasil um país de desigualdades, onde a maioria dos candidatos nos pleitos eleitorais é de pouco poder aquisitivo, como ficariam os mesmos numa campanha ou no momento em que porventura tiverem suas contas desaprovadas, seja por descuido pessoal ou não? Já que não têm a mínima condição de possuir uma assessoria contábil e jurídica, que hoje são contratações imprescindíveis para qualquer candidato que deseje ter uma campanha tranquila, bem orientada e sem correr o risco de, literalmente, “morrer na praia”.
Questionamentos e controvérsias a parte, o certo é que em se mantendo o atual texto da Resolução 23.376/2012, além da obrigação de prestar contas, as mesmas têm de ser aprovadas, sob pena de o candidato não obter a Certidão de Quitação Eleitoral e ficar impedido de disputar futuras eleições. Portanto, é fundamental atentar para o fato de que, a partir de agora, os cuidados para ser um cidadão “FICHA LIMPA”, somado aos da busca pelo voto e recursos financeiros durante a campanha, passaram a ser apenas parte de um processo que só efetiva-se vitorioso com a devida aprovação da sua prestação de contas da campanha.
*Marcelo Cumaru é advogado eleitoral e atende no escritório GSMC Advocacia e Consultoria Integrada, localizado na Rua Laudelino Rocha nº 56, Maurício de Nassau, Caruaru-PE. Contatos: (81) 3721-3545, e-mail: [email protected]