Opinião – A Luta pela Cidadania e o PCC da Educação em Caruaru – por Armando Melo*

Mário Flávio - 31.05.2013 às 09:25h

Os Direitos Fundamentais Sociais estão inscritos na Constituição Federal – 1988, no artigo 6º: “São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança…”. A expressão “direitos sociais” se deve ao fato de tais direitos se ligarem às reivindicações de justiça social. Eles refletem a acentuação das disparidades, do desenvolvimento industrial e grande produção de riquezas mal distribuídas, o que impôs ao Estado uma postura ativa na obrigação de reduzir as contradições.

A origem é as reivindicações das classes menos abastadas, primeiro por uma situação de trabalho melhor (lutas do operariado), depois, por instrução (universalização do acesso à educação). Particularmente no que diz respeito a esta última, a obrigação que as sociedades se impuseram de democratizar o acesso à educação, revestindo-a do caráter de “direito fundamental”, advém da consciência de que a formação humana nas realidades complexas passa pela escola, da consciência de que para uma pessoa ter existência digna, é preciso um sistema de ensino-aprendizagem de qualidade.

Diante de tal certeza, fazendo uma leitura do Plano de Cargos e Carreiras da Educação de Caruaru (PCC-2013), percebem-se o perigo e a precariedade dos enunciados nele contidos. Perigo, porque, diminuir em educação, significa expor ao perigo presente e futuro de uma sociedade de cidadania já ameaçada; precariedade, porque o Plano elenca uma série de artigos e incisos que violam os direitos fundamentais sociais, dentre os temas, a redução salarial e a redução do tempo de licença para o professor poder avançar na profissão com a pós-graduação.

O que assombra o leitor do PCC é o fato de o ordenamento jurídico brasileiro vedar qualquer ato comprometedor da eficácia do direito fundamental social à educação. A própria Constituição (1988) proíbe a manipulação dos direitos fundamentais (cláusula pétrea) a não ser para ampliá-los, e obriga os poderes – todos – a aplicá-los (vinculação) de maneira imediata e plena. Além disso, a teoria (isso só não se torna prática onde a ideia de cidadania ainda não é bem assimilada) dos direitos fundamentais, os tribunais, invalidam qualquer ato de Governo que reduza conquistas já realizadas.

O princípio da “proibição do retrocesso” do direito fundamental à educação (e das demais normas sociais) garante o progresso da sociedade durante seu caminhar histórico. Traduzindo: qualquer atitude que atente contra tal direito, no sentido de modificar a situação para pior, deve ser compreendida como um eterno retorno, um desserviço público. É a imagem de uma comunidade que faz todos os esforços para subir uma montanha empurrando para lá uma pedra gigantesca, pedra esta que, pelo mau uso de uma caneta, a comunidade mesma vê (indignada) rolar montanha abaixo, para ter que recomeçar a tarefa.

Os enunciados contidos no Plano de Cargos e Carreiras da Educação (Caruaru-2013) não apresentam apenas uma mudança das normas municipais, de repercussão local. Eles violam o sistema constitucional pátrio como um todo, agridem a inteligência desenvolvida em torno dos Direitos Fundamentais, afetam o entendimento político construído duros embates, violentam os avanços sociais conquistados por vários anos de luta, vidas e liberdades comprometidas.

A obstinação dos poderes executivo e legislativo em aprovar o novo PCC em Caruaru, portanto, deve ser atacada, no judiciário, não apenas pela via do “direito adquirido” dos professores e dos alunos, da sociedade em geral, entretanto, pela demonstração de que o ato ameaça a dignidade da pessoa humana, compromete o Estado Social Democrático de Direito, ignora toda uma marcha de lutas, de perigos, de esforços ingentes, no sentido de construir uma sociedade melhor.
Não se pode recuar.

*Armando Melo
Professor, Advogado
Pós-Graduado em Direito Público (ASCES)
Pós-Graduado em Gestão Pública Educação (foco em uma Cultura de Paz)
Mestrando em Direitos Humanos (UFPE)

Leituras recomendadas para aprofundamento da discussão:
a) Direito Constitucional: ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1993. CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7 ed Coimbra: Almedina, 2003. HESSE, Konrad. A Força Normativa da Constituição. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1991. SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 24 ed, São Paulo: Malheiros, 2005. STRECK, Lenio Luiz. Jurisdição Constitucional e Hermenêutica: uma nova crítica do direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002. TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. 7 ed, São Paulo: Saraiva, 2009.
b) Sobre o Princípio da Vedação de Retrocesso: SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais numa perspectiva constitucional. 10 ed, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009.
c) Educação, Política e Direito à Educação: FÁVERO, Osmar & SEMERARO, Giovanni. Democracia e construção do público no pensamento educacional brasileiro. Rio de Janeiro: Vozes, 2002. FREIRE, Paulo. Educação como Prática da Liberdade, 14 ed, Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983. MUNIZ, Regina Maria F. O direito à educação. Rio de janeiro: Renovar, 2002. PEREGRINO, Mônica. Trajetórias Desiguais: Um estudo sobre os processos de escolarização pública de jovens pobres. Rio de Janeiro: Garamond, 2010.