Nos próximos dias o blog vai abrir espaço para o centenário de Luiz Gonzaga. Queremos reverenciar ao mestre da música, que mudou a realidade do Nordeste brasileiro. O historiador e professor, José Urbano, fez uma ampla pesquisa sobre a música Asa Branca. Ele escreveu três artigos sobre o tema. Abaixo o primeiro escrito, que vai mexer com a emoção de todos.
Fruto da sensibilidade poética e produto cultural mais autêntico derivado dos costumes da sociedade rural do nordeste, a composição de Asa Branca cumpre com maestria a desafiadora missão de descrever o homem nordestino em seu habitat, e mais do que isso, estruturar em poesia 5 elementos que identificamos na alma sertaneja – imprescindíveis para a convivência com o sertão – onde falta chuvas e sobram sentimentalismos e pureza emocional. Em sua estrutura, foram agrupadas 101 palavras, divididas em cinco estrofes, revestindo com fonemas cinco sentidos: dor – morte – separação – saudades e esperanças.
Encontramos explicitamente tais referências quando analisamos isoladamente os versos da brilhante composição nos trechos a seguir relacionados:
1. Ao olhar a terra que arde como fogueira, o poeta sertanejo questiona a razão da judiação, sentindo imensa dor; 2. Pela falta do precioso líquido das chuvas, perdeu o gado e padeceu o alazão, encarando a morte iminente; 3. A ave, título da canção, migrou e também o sertanejo que é tangido de sua terra, separando-se dela; 4. Agora longe, triste e solitário, resta ao sertanejo esperar novas chuvas para regressar, e superar esse traço de saudade, em sua fase existencial;
5. Comprometido com seu retorno, o sertanejo assegura que – em um consolo emergencial – a amada não chore, pois ele voltará para a sua convivência, e preencherá o seu coração, pois cultiva em todos os momentos muitas esperanças.
Ao manusear esses sentimentos tão puros e revesti-los com sensibilidade poética, o autor nos presenteia com um olhar social do sertão, inserindo ingredientes únicos da cultura nordestina, respectivamente: a vida que sub-existe na labuta agrícola e pecuária; a dependência climática tão incerta; a mulher que encara a ausência do seu par e conseqüentemente meses a fio de solidão, o que a lança numa quase depressão, restando-lhe a esperança do retorno e o cansaço entre lágrimas e desejos. Imortalizada na voz de Luiz Gonzaga, fruto da parceria com Humberto Teixeira, gravada em março de 1947, pesquisadores outros asseguram que tais versos já podiam ser ouvidos desde o final do século XIX nos empoeirados forrós improvisados nos terreiros do sertão.
Polêmicas a parte, Asa Branca é grandiosa em todos os aspectos, ainda muito viva, poética, sonora e supera o fator tempo, que em nada a envelhece, mesmo já transcorridos 65 anos de sua primeira das centenas de gravações. O próprio Gonzaga a regravou nove vezes! Não saciada em sua grandeza cultural, a referida criação contagiou o memorável Zé Dantas, que assumiu o desafio e criou A Volta da Asa Branca, uma complementação de fineza poética extraordinária. Na constelação Gonzagueana, vivenciando seu primeiro centenário, o rei do baião exibe a imponente estrela do seu chapéu de couro, Asa Branca, o hino oficial do sertão. E viva Gonzagão!