Por Tâmara Pinheiro – Do livro: Relatos da ditadura em Caruaru – Histórias que os livros não contam
Muitas foram as torturas físicas. Choques, pau – de – arara, pancadaria. Mas, a tortura psicológica foi a que mais deixou péssimas lembranças para o Poeta. E uma data em especial, dia 25 de dezembro de 1972, ficou gravada na memória dele. Ao interrogar Severino, perguntaram se ele conhecia ou teve contato com Fernando Augusto Gondim. Ele negou, mas não recordava que teve contato com Fernando, pois este se apresentou com o codinome de Fernando Sandália. Era um jovem estudante de engenharia que fazia parte do movimento revolucionário, o PCBR7.
– Depois me perguntaram de Fernando Sandália, aí foi que lembrei que o conhecia. Porém, aprendi através de um livro comunista da Hungria, que prepara o elemento para uma eventual prisão, que eles jogavam um contra o outro. Eu tinha que estar preparado.
Ao negar veemente que conhecia Fernando, o interrogador se exaltou.
– Seu filho da puta, você está pensando que isso é brincadeira? Pois eu vou jogar ele em cima de você, pra vê se você o conhece. Depois disso os soldados que acompanhavam o interrogatório bateram em Severino e o levaram para sua cela. No mesmo dia, às 22 horas, soldados abriram sua cela e mandaram-no encostar-se na parede, ao fundo. Entraram carregando uma pessoa, era Fernando Sandália, somente de short. Muito ferido, o guardas bateram muito nele, dois de cada lado, chutando e dando golpes. Depois de cinco minutos, Fernando não aguentou e desmaiou. Os torturadores o deixaram e saíram da cela do Poeta.
– Eu assisti o extermínio do companheiro Sandália. Ele sagrava pelo nariz, e por outros orifícios. Depois de duas horas, chegaram outros soldados, todos limpos, com perfume e copos com bebida na mão, acho que era uísque.
Enrolaram o corpo de Fernando em uma lona e levaram-no. O Poeta nunca mais soube deste companheiro. E suas noites nunca mais foram as mesmas.
– Não conseguia dormir, este foi um dos piores momentos da minha prisão. Ainda hoje tenho essa imagem na minha cabeça.
NOVAS PRISÕES – Passados os 25 dias, Severino foi levado à delegacia do Departamento de Ordem Política e Social, o DOPS. Chegando lá, no dia 12 de janeiro de 1973, Severino ouviu do escrivão o seguinte veredicto:
-Foi decretada sua prisão preventiva.
Para os presos políticos, isso era como uma condenação definitiva. E, podia significar uma condenação de morte. As celas do local eram pequenas, mas estavam recheadas de presos.
– A prisão era como um campo de concentração, um terror. Estava tudo imundo, acho que nunca limparam o local. Tinham percevejos, insetos. Os colchões eram muito sujos.
Ele passou 90 dias no DOPS e depois foi levado à Prisão Barreto Campelo, na Ilha de Itamaracá. Os presos políticos ficavam separados dos demais presidiários. Foram mais de dois anos de prisão, segundo a contabilidade de Severino, em lugares sem nenhuma higiene, onde sofria torturas, onde foi ceifado seu direito de liberdade. Em 1974, completando dois anos de prisão, Severino foi chamado para depor. No julgamento, era necessário ouvir testemunhas de acusação e de defesa. Ao chamar sua defesa, ninguém apareceu. Era o medo de ter o mesmo destino do Poeta e de muitos outros, que ninguém quis agir em sua causa.
– No dia da minha prisão preventiva a advogada Mércia Albuquerque (in memorian) pediu o relaxamento da prisão. Ela foi uma das poucas pessoas que tiveram coragem de me defender e de lutar contra o regime, a favor dos comunistas e presos políticos. Tenho muito que agradecer a esta mulher.
A LIBERDADE –
Depois de dois anos e quatro meses preso, Severino Quirino de Miranda foi absolvido em seu julgamento. Voltou para Caruaru, e teve que recomeçar uma nova vida, mas sem esquecer o desejo de mudar o mundo através da ideias comunistas.
– Ainda sou comunista. Desde o golpe de 1964 até hoje o partido se desestruturou. Não tem mais o mesmo vigor, mas aprendi que onde tiver um comunista, o partido ainda existe. Porque onde estiver algo errado, mesmo que se exija um sacrifício grande, o comunista grita que está errado.
O Poeta pode rever sua família, sua mulher e seus sete filhos, que na época que foi preso, tinham idades que iam entre um a 15 anos.
– Meus filhos não sabiam da minha militância. Só souberam quando fui preso. Mas, quando voltei,eles me deram muita força.
O exército, que prendia comunistas defendendo o combate ao terror, usou do terrorismo psicológico para criar uma imagem desviada de Severino para a sua vizinhança.
– Eu era bem visto por aqui antes de ser preso. Quando me prenderam e me levaram, ficavam dizendo pros meus vizinhos que eu era um terrorista. Quando voltei, tive que reconquistar a confiança do povo.
Apesar da idade avançada, Severino ainda acredita na política como forma de conscientização e mudança. Uma via para lutar por um mundo justo.
– Ainda me comunico com os companheiros de luta, através de correspondências. Hoje em dia as pessoas não conhecem a história do partido, só pensam no dinheiro que vão ganhar entrando no partido. A sociedade é de exploração, mas ainda vivemos na esperança.