Sebastião Biano: Um sopro que transformou a cultura nacional brasileira – por Gustavo Madruga*

Mário Flávio - 28.08.2022 às 19:02h

“No apertar da hora/Periferia de Caruaru/Onde moravam os Beatles/Os Beatles de Caruaru/Sebastião Biano/Banda de Pífano agreste azul”. Nas primeiras estrofes da música Forrozear, composta por Carlos Fernando e Geraldo Azevedo, os autores comparam a banda de pífanos Zabumba Caruaru, ou somente a “banda dos Bianos”, com o quarteto de Liverpool. Se os Beatles deixaram um legado inestimável para a música mundial, influenciando sonoridades e técnicas de produção, o conjunto liderado por Sebastião Biano foi o responsável por ajudar a transformar a música brasileira do século XX e, por consequência, a nossa identidade nacional.

Sebastião Biano foi responsável por tocar pífano no conjunto do seu pai, Manuel Clarindo, com apenas 5 anos, em 1924. Desde esse momento, os Bianos inovaram para os padrões da época, pois mesmo não sendo o primeiro conjunto do estilo, foram os primeiros a montar apresentações com repertório montado, deixando um pouco de lado a improvisação e liberdade típicas das bandas “esquenta-mulher” daquela época.

Mas o encontro que mudou a face da música brasileira ocorreu em 1967, quando o músico Gilberto Gil visitou Caruaru e conheceu a banda de pífanos dos Bianos. Cinco anos depois, “Pipoca Moderna”, música mais conhecida do conjunto, abriria o disco Expresso 2222 do artista baiano, além de ter sido lançando pela CBS o primeiro disco do conjunto mais famoso da Capital do Agreste. Porém, a verdadeira revolução influenciada por Sebastião Biano, ocorreu ainda nos anos 1960: como afirmou Caetano Veloso no livro Verdade Tropical, Gil ficou fascinado pela gravação de “Strawberry Fields Forever” do Beatles e que “a seu ver, sugeria o que devíamos estar fazendo e parecia-se com a ‘Pipoca moderna’ da Banda de Pífanos”.

De fato, em 1968 Gil e a geração que fundou a Tropicália misturou a sonoridade da Banda de Pífanos, que representava o Brasil profundo, tradicional, percussivo e folclórico, com os ritmos contemporâneos liderados pelos Beatles e recepcionados pela Jovem Guarda. Foi o encontro entre instrumentos de pau, couro e bambu com a guitarra elétrica e a métrica produtiva dos estúdios.

A partir daí a música do Brasil nunca mais foi a mesma, e a sonoridade brasileira se orgulhava de ter a mistura de ritmos como a sua característica principal, ganhando novos contornos nas gerações seguintes como a do Udi Grudi nordestino que pariu artistas como Alceu Valença, Zé Ramalho, Marconi Notaro, Lula Cortes entre outros, até o movimento Mangue Beat dos anos 1990 com Mundo Livre S/A, Chico Science & Nação Zumbi e Mestre Ambrósio (que fez uma nova leitura de “Pipoca Moderna”).

Sebastião Biano teve uma vida longa, proporcional ao seu legado. Morreu ontem (27/08/2022) aos 103 anos de idade deixando uma herança inestimável, não só para a música brasileira do século XX, mas para a cultura e identidade nacional, estando no mesmo rol de Brasileiros como Oscar Niemeyer, João Gilberto, Glauber Rocha, Carmem Miranda, Luiz Gonzaga e tantos outros gênios. Se Sebastião não tivesse existido, a Música Popular Brasileira seria outra coisa, algo nada parecido com o que se produziu durante quase 50 anos no país.

A lição que o músico nos deixa é que simplicidade e sofisticação não são antagônicas: ele já tinha ajudado a transformar o uso do pífano antes mesmo do encontro com Gilberto Gil. O crítico e produtor musical Marcus Vinícius (que trabalhou no quarto disco da banda) escreveu em 1979 que “o que diferenciava a Banda de Pífanos de Caruaru das outras bandas […] é, em primeiro lugar, o seu virtuosismo: Sebastião e Benedito Biano […] são, com toda certeza, os maiores tocadores de ‘pife’ do Brasil […]”.

Se os anos 1960 foram marcados pelo crescimento urbano e a migração das massas rurais para as cidades, gerando o encontro entre dois mundos quase distintos, Sebastião Biano foi um embaixador desse processo trazendo harmonia entre a cultura dos ricões do país com a geração da indústria cultural e do ethos urbano.

Sebastião Biano é, sem dúvidas, um dos maiores arquitetos da cultura e da identidade brasileira.

*Gustavo Madruga é professor e pesquisador da música brasileira