
Pune-se por tão pouco e isso pode? Esse talvez tenha sido o questionamento mais insistente entre os eleitores e observadores do processo eleitoral, dado o volume gritante nas vias. Há uma breve história que torna plausível a inquietação.
Em breve preâmbulo, a partir do dia 16 de agosto de 2022, não há dúvidas quanto ao que é permitido e ao que é vedado nos atos de propaganda eleitoral, vez que a temática está regulamentada pela Lei nº 9.504/1997 e pelas Resoluções do TSE nº 23.610/19 e nº 23.671/21.
Todavia, muito se controverte sobre a legalidade de alguns atos de propaganda realizados no período denominado de pré-campanha, a tênue linha entre o que de fato é permitido e o que é considerado propaganda eleitoral antecipada, muitas vezes com nítido abuso de pode econômico.
Hodiernamente – talvez pelo excesso de visibilidade, a propaganda por meio de artefato publicitário em rodovias tem sido utilizada pelos pré-candidatos com o clarividente propósito de enaltecer de forma desproporcional e sem nenhum viés de exibição programática.
Primordial esclarecer que a propaganda eleitoral em outdoor é expressamente proibida pelo § 8º do art. 39 da Lei das Eleições. Ainda, para a TSE, para a configuração do efeito, basta que o engenho, tomado em conjunto ou não, tenha claro impacto visual, ainda que de forma transitória, (retroprojetor, banners, televisores, placas justapostas).
Isso porque, a intenção é garantir a isonomia do pleito, tendo em vista a natureza da propaganda, de impacto inegavelmente maior e cuja utilização implica evidente desequilíbrio dos candidatos no exercício da propaganda, como aponta o Min. Luiz Fux (Ac. 25.8.2016/AI 768451).
No art. 36-A, acrescido na reforma de 2015, vimos que as balizas traçadas no referido dispositivo flexibilizaram a divulgação de atos de pré-campanha, podemos dizer que, dando até mesmo uma elasticidade ao marco inicial da propaganda eleitoral, ampliado o espectro de manifestação dos pré-candidatos na disputa eleitoral, a menção à pretensa candidatura, a exaltação das qualidades pessoais, além de diversos atos que podem ter cobertura dos meios de comunicação social, inclusive via internet, com a única restrição de não haver pedido explícito de voto.
Até as eleições de 2016, o TSE entendeu a instalação de outdoors em apoio a pré-candidato, na pré-campanha e sem pedido expresso de voto não configurava propaganda eleitoral antecipada. Isso porque, apesar de estar sendo realizados atos de propaganda eleitoral, no entanto, por força do art. 36-A da Lei das Eleições, não está mais sujeito a qualquer tipo de sanção, haja vista a superveniência do permissivo legal.
Passou a ser irrelevante até mesmo a possibilidade desta propaganda ser considerada ilícita durante o período eleitoral. Solidificou-se o entendimento para as eleições de 2016 de que um painel, mesmo que vultoso e com nítida conotação eleitoral, somente seria ilícito se, anterior ao período eleitoral, contivesse o uso de expressões inequívocas como “Vote em Fulano” ou “Não vote em Cicrano”, nesta linha, seguiu o Min. Gilmar Mendes e Min. Admar Gonzaga (AgR-REspe: 143 RS e ArREsp 12-06-PE).
Todavia, diante das recalcitrantes representações e acaloradas discussões nos Tribunais Regionais Eleitorais, já nas eleições gerais de 2018, a jurisprudência da Suprema Corte Eleitoral passou a reconhecer que o pedido de voto não se restringe a utilização isolada de tal verbo, posto que, determinadas palavras ou termos sutis que indiretamente peçam voto e a exaltação do pré-candidato, passaram a configuram campanha antecipada.
A mudança de precedente no TSE se deu durante as eleições gerais de 2018, quando o Ministério Público de Pernambuco acionou um pré-candidato que teve sua imagem e suas qualidades pessoais divulgadas por meio de 23 outdoors espalhados nos municípios do Estado, com frases como “o defensor do povo”.
O tema foi exaustivamente debatido na Corte Regional Pernambucana(RP 060022731) em que manteve o entendimento que não havia propaganda eleitoral antecipada, vez que não havia pedido explícito de voto nos outdoors, insurrecto, o MPE recorreu, passando novamente a discussão, agora sob a relatoria do Ministro Edson Fachin, ao TSE, que considerou propaganda eleitoral antecipada à publicação de outdoors em apoio ao pré-candidato, ainda que sem pedido expresso de voto, aplicando ao caso concreto, multa; seguido pelo Min. Og Fernandes destacou que a propagar por meio de outdoor, além de ser um meio expressamente vedado na campanha eleitoral, não está expressamente autorizado no artigo 36-A, logo, não há margem para tal elasticidade.
Assim, há patente ilicitude do uso do engenho de outdoor neste momento, pois se é vedado durante o período eleitoral, deve ser em período pré-campanha.
Tema volátil na interpretação, deu margem ao uso indevido de uns e o malgrado de outros, o que recaiu no desequilíbrio eleitoral, antes mesmo do início do jogo entre os players.
*Marcílio Cumaru
é Especialista em Direito Eleitoral
e Luanna Pereira é Advogada.