Os 45 anos do disco “Azulão” e a importância para a música popular nordestina – por Gustavo Silva*

Mário Flávio - 21.04.2021 às 09:55h

Francisco era um jovem pobre que vendia picolés nas ruas de Caruaru em meados da década de 1960. Em busca de clientes, ia com o seu carrinho para o auditório da Rádio Difusora nos dias dos programas de calouros. Num desses programas ele resolveu deixar o carrinho um pouco de lado de cantar uma canção. O jovem franzino, com menos de um metro e meio de altura, deixou o público de queixo caído pela voz potente e afinada. Neste dia nasceu Azulão.

  Após se destacar em programas de calouros e gravar um compacto (1965), Azulão cantou na Bandinha do Camarão, onde gravou três músicas no “Retrato de um Forró” (1974). Em 1975 gravou o seu primeiro disco solo, o aclamado “Eu não socorro não”, com composições de Genival Lacerda, Ceceu, Assisão entre outros mestres do forró. Mas foi no ano seguinte que o “pequeno grande” lançou o disco que muitos consideram a sua obra prima: o “Azulão” (1976), ou simplesmente o “capa azul”, como é chamado por alguns fãs.

Lançado pelo selo Esquema, o disco Azulão emplacou quase todas as músicas nas rádios do Nordeste, sendo Dona Tereza, faixa que abre o disco, o maior sucesso até hoje. Na música composta por Elias Soares, Azulão interpreta dois personagens; Mané e a própria Dona Tereza, mostrando muita habilidade na variação dos tons de voz, além de esbanjar toda a teatralidade tão característica das suas músicas e apresentações. A música tocou tanto que rompeu as fronteiras do Nordeste e fez parte da coletânea Rala-Bucho do selo Gala (subselo da Som Livre), três anos após o seu lançamento.

Azulão segue o disco como se estivesse mostrando que é capaz de cantar todos os ritmos derivados do forró. Emendou um baião em “Barras do Coqueiros”, um coco em “O Tipo de Menina”, e um forró com pegada de chorinho “Caruaru do Passado”, um verdadeiro hino da cidade que foi palco e ao mesmo tempo personagem da obra do cantor.

É incrível o trabalho com o violão e cavaquinho nesta canção, dando ares de emoção e complexidade em termos sonoros. Adiante ainda temos músicas de duplo sentido: “Não sou Culpado” e a divertidíssima “A Blusa Dela” (composição de Azulão em parceria com o saudoso Ivan Bulhões), faixa que abre o Lado B. Finalizando, destaco ainda “Apanhadeira de Café”, “Amor Tenho Para Lhe Dar” e o xote “Iracema”, o que torna o segundo LP do mestre uma obra que merece, 45 anos depois, ser revisitada e reconhecida como um dos discos mais completos e importantes de música nordestina.            

O disco “Azulão” é uma daquelas obras que foram concebidas sob todas as condições favoráveis possíveis. Reuniu grandes músicos, que construíram arranjos complexos e utilizaram instrumentos  de corda e de percussão que iam além dos tradicionais triangulo, zabumba e sanfona (talvez pela influência do “padrinho” Camarão, homem que montou a primeira banda de forró do Brasil); trouxe também letristas inspirados e um cantor que estava a todo vapor, vivendo auge da sua juventude e vontade de mostrar que o disco anterior não foi sorte de principiante.

Azulão ao oferecer este leque de ritmos e de tons se posicionou como uma das vozes mais potentes do Forró, com afinação para tocar xotes e respiração para cantar cocos sincopados sem desafinar ou perder o fôlego. Guardadas as devidas proporções, era a potencia vocal de Lindú (Trio Nordestino) aliado ao fôlego e dicção impecável de Jackson do Pandeiro que estava encarnado naquele indivíduo com nome de passarinho.

Azulão teve ainda a década de 70 nas suas mãos, lançou ótimos discos em seguida e ajudou a edificar o São João de Caruaru, festa que ainda era comemorada de maneira espontânea nas ruas da cidade quando ele experimentou os primeiros anos de sucesso. Francisco Azulão só não ganhou o mundo por causa dos seus problemas psicológicos e com álcool, que geralmente se agravavam justamente nos períodos de festas. Nada que diminua o talento e a importância do “Pequeno Grande” para a música popular nordestina, pelo contrário: imaginem o fenômeno que ele seria se estivesse sempre saudável!

*Gustavo Silva é Bacharel e Licenciado em História (UFCG), Mestre em História Cultural e Social (UFCG).