Opinião – O Mundo em que Vivemos – por Diego Cintra*

Mário Flávio - 06.12.2019 às 14:47h

“FACTFULNESS – O hábito libertador de só ter opiniões baseadas em fatos” é um daqueles livros que se lê pensando: sim! É isso! Exatamente isso!

O livro escrito por Hans Rosling aborda a visão que nós, enquanto humanidade, temos da nossa própria realidade. Num levantamento surpreendente, o autor constata que mesmo as pessoas mais instruídas e residentes nos países mais desenvolvidos do mundo ainda cultivam uma visão pessimista da realidade global ou, quando muito, menos otimista do que deveriam.

E como ele verifica isso? Simples. Responda você às seguintes perguntas: 1. Hoje, a maioria da população mundial vive em países de: baixa, média ou alta renda? 2. Nos últimos 20 anos, a população vivendo na extrema pobreza: dobrou, ficou igual ou caiu pela metade? e 3. Quantas crianças hoje estão vacinadas no mundo: 20%, 50% ou 80%?

O questionário (composto também de outras perguntas) serve para, em última análise saber se, na sua visão, o mundo em geral está: mais pacífico ou mais violento? Mais rico ou mais pobre? Mais saudável ou mais doente? Em resumo, na sua opinião, o mundo melhorou ou piorou nos últimos 200 ou 20 anos e de quanto foi essa melhora ou piora?

Em outras palavras, o que você conhece do mundo em que vive?

A verdade ainda é uma surpresa para muitos: 1. Hoje, a maioria da população mundial vive em países de renda média; 2. Nos últimos 20 anos a população vivendo na extrema pobreza foi reduzida pela metade; 3. 80% das crianças do mundo, hoje, estão vacinadas.

Sendo assim, vivemos hoje na era mais pacífica, mais próspera e mais saudável de toda a história da humanidade. De fato, a melhoria das condições de vida, no geral, avançou mais nos últimos 200 anos do que nos 5 mil anos anteriores. E por que isso parece ser uma surpresa para a maioria das pessoas?

Perceba que estamos tratando de fatos e não de opiniões. Aqui a máxima se aplica: você tem direito a sua própria opinião mas não tem direito aos seus próprios fatos. Vale dizer, você tem o direito de achar o capitalismo o grande mal da humanidade; o sistema financeiro global como uma máquina geradora de miséria; o liberalismo como um ambiente de privilégios e exclusão; a agricultura moderna como uma fonte de doenças; a medicina ocidental como mercenária, etc. Essa pode até ser sua opinião ou visão de mundo mas saiba que ela não corresponde necessariamente à realidade (e é fundamental ter consciência disso).

Na mesma esteira, outras verdades (incômodas para alguns) correspondem aos fatos: o capitalismo está acabando com a miséria no mundo; as democracias liberais estão proporcionando uma inclusão social jamais vista na história da humanidade; nunca vivemos tanto e com acesso a tantos bens e serviços.

É evidente que levantamentos globais levam em consideração uma média de todos os países, o que significa dizer que um país isolado pode sim estar piorando em determinados índices (como violência, corrupção ou pobreza) mas isso não significa que é o cenário global. Também é óbvio que o fato de vivermos no melhor momento da história mundial não significa que o planeta é um lugar livre de problemas ou que não temos ainda grandes desafios a superar. É evidente que uma coisa não exclui a outra mas é sempre importante ressaltar isso.

Então por qual(is) motivo(s) até mesmo pessoas instruídas cultivam um sentimento pessimista em relação à realidade global?

O autor apresenta bons argumentos para tanto e aqui vamos focar em apenas um deles (para saber os outros, leia o livro).

O “instinto de separação”, é um desses motivos e, segundo o autor, corresponde a uma “tentação irresistível que temos de dividir todos os tipos de coisas em dois grupos distintos e frequentemente conflitantes, com uma lacuna imaginária – um enorme abismo de injustiça – no meio”. Neste sentido, muitas pessoas ainda cultivam um visão de mundo dividido: entre ricos e pobres; patrões e empregados; opressores e oprimidos. Seria um mundo onde poucos lucram muito e onde muitos não tem acesso a nada.

Bom, a verdade é que essa visão não passa de uma ilusão. Até mesmo o entendimento de um cenário global de oposição entre “países pobres em desenvolvimento” versus “países ricos e desenvolvidos” simplesmente não corresponde (mais) à realidade.

O instinto da separação, ainda segundo o autor, decorre da forte tendência humana a ter uma visão binária da realidade, o que equivale a uma compulsão em dividir as coisas em dois grupos distintos, com uma lacuna no meio. Nós adoramos dicotomias (narrativas): bem vs mal; heróis contra vilões; defensores dos pobres vs defensores dos ricos. Dividir o mundo em dois lados é simples e intuitivo (e também dramático, porque implica em conflito – e manchetes dramáticas vendem!). Mas essa visão simplesmente não corresponde à realidade.

Vamos aos fatos: hoje, 75% da população mundial vive em países de renda média, ou seja, os residentes não são necessariamente pobres nem ricos mas vivem de maneira confortável com um acesso mínimo a bens e serviços que propiciam uma vida digna diante dos desafios locais de cada sociedade. Mais uma vez: com isso não se pretende dizer que não existem pessoas vivendo em extrema pobreza ou que não existem pessoas muito ricas (sim, isso também é um fato. Assim como é um fato que o extremo da pobreza é cada vez mais raro no mundo).

Em números absolutos, podemos afirmar que hoje, no mundo: a maioria das pessoas tem o suficiente para comer; tem acesso à água tratada; a maioria das crianças é vacinada e a maioria das meninas termina o ensino fundamental. O surpreendente é que há apenas 200 anos, 85% da população mundial vivia na extrema pobreza. É ou não algo a se comemorar?

Tão importante quanto celebrar essa realidade é ter consciência do caminho que trilhamos para chegar até aqui. Como isso foi possível? O que colaborou para esse desenvolvimento? O que podemos fazer para avançar ainda mais?

A resposta para tal pergunta decorre necessariamente de uma visão pragmática da realidade. Nós temos nossas convicções e opiniões mas não podemos lutar contra os fatos. E os fatos apontam que a democracia liberal aliada ao capitalismo de livre mercado levou a humanidade ao seu melhor estágio. Estamos erradicando doenças, guerras e a miséria numa velocidade nunca vista, ao tempo em que direitos estão sendo garantidos de forma universal. Por que tantos ainda ignoram tal fato? Talvez porque mantenham suas opiniões baseadas em instintos, preconceitos e suposições.

E por que é tão importante ter uma opinião baseada em fatos? Segundo o autor, para que o nosso planeta possa ter estabilidade financeira, paz e recursos naturais protegidos é imprescindível uma colaboração internacional que só pode ser alcançada se fundada numa compreensão global compartilhada da realidade e baseada em fatos.

Em suma, vivemos um milagre silencioso e quase secreto do progresso humano. Entender o que nos fez chegar até aqui compreende celebrar nossas conquistas e cultivar uma visão de mundo amparada antes em fatos do que em opiniões e suposições. O quanto antes fizermos isso, melhor.

Diego Cintra.