Opinião – O Chama Viva, o balde de água fria e a fragmentação dos evangélicos – por Jénerson Alves*

Mário Flávio - 20.06.2013 às 13:25h

Texto publicado no blog Presentia

Um retrato da fragmentação do movimento evangélico. É assim que posso definir o evento gospel ocorrido no Pátio de Eventos Luiz ‘Lua’ Gonzaga, em Caruaru, na quarta-feira 19. Nos dois anos anteriores, a ‘noite gospel’ no Pátio contou com um público aproximado de 40 mil pessoas. Nessas ocasiões, o evento era denominado ‘Chama Viva’, e além de atrações regionais de vasto prestígio – como a banda Brasas no Altar e o cantor Erasmo Miguel –, contava com a participação de cantores conhecidos nacionalmente, a exemplo de Daniel Diau, Mattos Nascimento e da Banda Som e Louvor. Este ano, o organizador do Chama Viva, Jaelcio Tenório, explicou que não conseguiu fazer o evento porque não obteve do poder público a verba necessária para trazer alguma atração de maior impacto. Com isso, a Prefeitura jogou um ‘balde de água fria’ no Chama Viva, o que gerou repercussão negativa por parte dos evangélicos, sobretudo nas redes sociais.

Entretanto, após o anúncio de que o Chama Viva seria cancelado, um grupo de pastores se reuniu e decidiu tomar para si a responsabilidade de elaborar uma programação. Em entrevista à Rádio Cultura do Nordeste (1130 AM), o pastor Jeison Wesly declarou que a decisão de realizar o evento foi tomada às 17h do dia 17. Portanto, foi um ato de grande coragem dos organizadores. Na pauta, apenas artistas regionais. Fernando Júnior e Banda (Igreja de Deus no Brasil); Joseano Silva (Vale da Bênção Central); Emanuel Oliveira (IABV), além de Brasas no Altar, Erasmo Miguel, Ministério Águas do Trono (Rua Silvino Macedo) e Emanuel do Acordeon constaram na programação. O vereador Neto (MD) aproveitou a oportunidade para buscar se promover entre os “irmãos” e glorificou-se no que diz respeito à articulação da festa.

O grande diferencial do que aconteceu este ano para os eventos dos anos anteriores foi a organização. Anteriormente, o evento era programado desde o início do ano, com reuniões entre o organizador – Jaelcio Tenório – e os integrantes da Associação dos Ministros Evangélicos do Agreste de Pernambuco (Ameape). Desta feita, além da bênção e do apoio das lideranças, a maior parte das igrejas evangélicas de Caruaru e da região passava o ano orando pelo evento. Reflexões como a participação do cristão na sociedade, o mandato cultural da igreja e a ética cidadã eram fomentadas nesses encontros, reverberando nas programações eclesiásticas. Este ano, o evento foi feito às pressas.

Mas não apenas isso. Além da pouca quantidade de pessoas presentes no Pátio – calculo cerca de 2 mil pessoas, no máximo – a superficialidade teológica das mensagens e a ausência de contextualização foram explícitos. Acostumados a lidar com o público das quatro paredes das igrejas, pregadores e ministros de louvor emitiram palavras de ordem em ‘evangeliquês’, que surtem pouco efeito em ouvidos não iniciados nos arraiais gospel. Em determinado momento, um pregador criticou as manifestações e protestos que estão ocorrendo no Brasil, nos últimos dias, dizendo que a “verdadeira revolução” acontece quando os crentes estão de joelhos no chão, nas comunidades religiosas. Com isso, apregoa-se a alienação, o descaso com as pautas do tempo presente, o misticismo, a ausência de responsabilidade social, o formalismo e a chatice religiosa. Cria-se currais, e não seres livres para serem sal da terra e luz do mundo.

Termos como ‘azeite’, ‘sal’ e ‘unção’ ficam deslocados quando não são proferidos em púlpitos, para um auditório com cadeiras acolchoadas. Parece-me que boa parte dos evangélicos perdeu expressões como ‘pecado’, ‘salvação’, ‘reconciliação’ e ‘volta de Cristo’ do vocabulário. Com uma mensagem descontextualizada, mesmo em um espaço público, os evangélicos permanecem falando uma linguagem própria, de difícil capacidade de conexão com o restante da sociedade.

É necessário que percebamos que somos alvo da Oração Sacerdotal do Mestre, no Evangelho de São João, capítulo 17: “que não Os tire do mundo…”. Precisamos ressignificar conceitos como culto, adoração e louvor – tirando-os das quatro paredes e do formalismo, trazendo-os para o cotidiano. Precisamos buscar uma identidade que se baseie no amor ao próximo e na profundidade bíblica. Caso contrário, continuaremos sendo seres fragmentados, deslocados, alienados, irrelevantes. E nossas palavras serão lançadas ao vento, diferentemente da Palavra dEle, que não volta vazia.

*Jénerson Alves é jornalista