Opinião – Democracia: entre a retórica e a realidade – por Diego Cintra*

Mário Flávio - 13.01.2025 às 06:25h

A palavra “democracia” é uma das mais valiosas do vocabulário político, representando um ideal de liberdade, participação popular e direitos fundamentais. Entretanto, seu uso tem sido deturpado ao longo do tempo para justificar ações autoritárias, manipulações políticas e perseguições ideológicas. A análise de alguns dos principais atores no cenário global revela como o conceito de democracia tem sido distorcido e esvaziado de seu verdadeiro significado, nos convidando a refletir sobre a situação do Brasil neste contexto.

É irônico observar, por exemplo, que países como a Coreia do Norte se autodenominam “República Popular Democrática da Coreia”, enquanto são, na realidade, regimes totalitários onde os cidadãos vivem sob constante vigilância, sem qualquer traço de participação popular genuína. Este uso cínico da palavra “democracia” visa maquiar regimes opressivos com uma fachada de legitimidade internacional.

Na Venezuela, Nicolás Maduro frequentemente evoca a democracia como justificativa para consolidar seu poder, perseguir opositores e restringir liberdades individuais. Sob sua gestão, eleições foram manipuladas e instituições subjugadas ao controle do regime, tudo em nome de uma suposta defesa da vontade popular.

No Brasil, a palavra democracia tem sido frequentemente utilizada por lideranças políticas para justificar medidas que vão na contramão de seus princípios. O presidente Lula, em seus discursos, frequentemente evoca a defesa da democracia enquanto promove alianças com regimes autoritários e legitima censuras disfarçadas de regulação de mídias. Por sua vez, o Supremo Tribunal Federal (STF) tem utilizado a bandeira da democracia para manter inquéritos sigilosos e perseguir indivíduos, uma prática que solapa a transparência e a isonomia necessárias ao Estado Democrático de Direito.

A Índia é frequentemente citada como a maior democracia do mundo em termos populacionais, com mais de 1,4 bilhão de habitantes. Entretanto, essa “democracia” é um reflexo distorcido dos valores que deveria representar. Como descrito num artigo de Jayant Bhandari[1] (engenheiro e empreendedor indiano), o país sofre com corrupção endêmica, desprezo pelas instituições e uma sociedade profundamente fragmentada por castas e divisões religiosas.

Bhandari descreve a Índia como uma sociedade amoral, onde valores como justiça, equidade e empatia são raros. A corrupção é a moeda que move desde os mais altos escalões do governo até as interações cotidianas, e as instituições deixadas pelos britânicos foram esvaziadas, tornando-se predatórias. O ciclo de opressão e exploração se perpetua em todos os níveis sociais, criando um ambiente onde a moralidade e a racionalidade foram substituídas pelo oportunismo e pela desconfiança.

Neste aspecto, é preciso reconhecer que a democracia, assim como outras palavras que representam instituições fundamentais – constituição, república, federação, separação dos poderes –, não pode ser imune a críticas. Criticar a qualidade da democracia, seja na Índia ou no Brasil, não pode ser considerado um ataque às instituições, como quer fazer parecer o STF. A liberdade de questionar o funcionamento dessas estruturas é essencial para sua evolução.

Um cidadão verdadeiramente livre tem o direito de criticar qualquer instituição, incluindo o STF, o Congresso ou até mesmo a própria democracia. Criticar não é sinônimo de destruir, mas de apontar falhas, sugerir melhorias e exigir que as instituições sirvam ao povo, e não o contrário. Sem esse espaço de crítica, qualquer regime, por mais democrático que se declare, corre o risco de se transformar em uma farsa autoritária.

O contexto brasileiro atual, com sua crescente polarização, censura disfarçada de regulação e o uso das instituições para atacar opositores, nos faz acreditar que estamos caminhando perigosamente para um destino que se assemelha mais ao da Índia atual do que ao de um país desenvolvido com instituições sólidas nos moldes ocidentais. Nossa sociedade parece mais disposta a aceitar o enfraquecimento dos valores democráticos em nome de discursos de proteção institucional (de castas), enquanto a verdadeira democracia – crítica, plural e robusta – é deixada de lado.

O uso estratégico da palavra democracia para mascarar intenções autoritárias é um alerta sobre o poder das palavras na política. Quando democracias falham em proteger os valores que as definem, tornam-se caricaturas perigosas de si mesmas, usadas para oprimir, dividir e controlar. A Índia, embora considerada a maior democracia do mundo, ilustra o quanto o título pode ser vazio quando os fundamentos éticos e institucionais estão ausentes.

A defesa da democracia exige mais do que retórica; exige compromisso genuíno com liberdade, justiça e o bem comum. Não é suficiente declarar-se democrata – é preciso viver os princípios democráticos, mesmo quando isso significa enfrentar as pressões do poder e do oportunismo político de ocasião.

*Diego Cintra é advogado


[1] A Índia é pior do que você imagina – Instituto Rothbard