Existe um ditado antigo: “Política, futebol e religião, não se discutem.” Como já me meto a discutir política, vou agora adentrar no cenário nebuloso que é a mistura das duas, política e religião. No início do século XX usou-se a expressão coronelismo para caracterizar uma fase da política brasileira em que grandes latifundiários mantinham uma extensa leva de dependentes ou apadrinhados em relação de subordinação e manejavam os votos dessa massa em benefício próprio, definindo as eleições em todos os níveis de governo. O Brasil cresceu, modernizou-se, urbanizou-se e essas figuras se não desapareceram de todo, tiveram seu alcance enfraquecido.
Todavia notamos, não só no Brasil, mas no mundo como um todo o surgimento de uma mistura explosiva de movimentos religiosos e o processo político: nos EUA o Tea Party, no mundo muçulmano o fundamentalismo religioso e no Brasil agora o coronelismo religioso, que se antes era restrito a esfera evangélica agora já ensaia os primeiros passos no catolicismo.
A última campanha presidencial revelou ou dimensionou o espaço das religiões na política nacional, onde o debate sobre o aborto e casamento homossexual quase definiu a eleição. Tivemos padres e pastores abertamente recomendando voto e até caluniando candidatos, muitas vezes pela promessa de concessões de rádio e TV. Nesse momento na maior cidade do país, há quase numa verdadeira guerra santa, antevendo o que estar por vir no futuro.
Em Caruaru, observamos no guia eleitoral um desfile de indivíduos cuja única qualificação para um mandato é ser membro de alguma denominação religiosa, e uma série de promessas de usar os recursos públicos em proveito de suas comunidades. Pergunto-me muitas vezes se essas pessoas sabem o que é o Estado é laico. Não significa dizer que o Estado é ateu, mas que ele não protegerá, defenderá, divulgará, apoiará em nenhuma circunstância nenhuma religião. Qualquer proposta de usar recursos públicos em favor de uma religião vai de encontro à essência do Estado Republicano.
Mas não é só isso, um dos piores aspectos dessa mistura seriam as religiões procurando pautar as políticas públicas baseadas em suas crenças, principalmente na esfera da vida individual. As religiões são livres para pregar o que quiserem as seus fiéis, mas elas não podem impor suas opiniões ao restante da sociedade ou membros de outras religiões. Não se fornece educação sexual nas escolas brasileiras por pressão das religiões, que acham se o adolescente tiver orientação sexual nas escolas, isso vai despertar nele o desejo de fazer sexo antes do casamento.
Na discussão sobre o aborto dos anencéfalos, fetos que são formados praticamente sem massa cerebral e que irão com certeza morrer, não há nenhum caso de anencefalia no mundo que sobreviveu mais que algumas horas ao parto. As religiões realizaram uma verdadeira cruzada, usando palavras como “assassinato”, ou a piegas e ridícula: “enquanto há vida, há esperança”, e que nesse caso não há. Quem sou eu para obrigar uma mãe a levar adiante uma gestação que no final ao invés de levar o filho para casa ela levará para o túmulo? Assim como ditar regras a respeito da vida sexual chancelando ou condenando algum comportamento que é privado?
Hoje uma mãe nessa situação pode escolher levar a gravidez adiante, se suas razões pessoais assim ditarem, mas é assegurado a ela o direito de não passar por esse trauma.
Particularmente eu não conheço nenhuma experiência de sucesso da mistura entre política e religião, onde ocorreu, só deu origem a genocídios, totalitarismo e autoritarismo. Caruaru não precisa de um prefeito ou vereador padre ou pastor, mas sim de pessoas comprometidas com a coisa pública. Principalmente, quando infelizmente, sabemos que a seleção de lideranças religiosas em algumas denominações, não é baseada na formação moral e intelectual, mas sim na capacidade manipular os sentimentos e o bolso dos fiéis. O púlpito não é lugar para política partidária, assim como a tribuna não é local para pregação religiosa.
A religião deve inspirar os indivíduos a serem melhores, mais humanos, justos, solidários, éticos, a termos políticos que sigam a regra áurea do cristianismo: amar o próximo como si mesmo. Pois como o próprio Cristo afirmou, ao tentarem envolvê-lo numa disputa entre o judaísmo e o poder romano, que administrava a Galileia, ele respondeu: Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus, marcando a separação que deve haver entre religião e política.
*Mário Benning é professor do IFPE e analista político