Entrevista publicada no jornal do Commercio
Um principais articuladores da campanha presidencial do governador Eduardo Campos (PSB), o ex-deputado federal Maurício Rands está de volta à cena política. Após deixar o PT e filiar-se ao PSB, ele faz a reflexão sobre os 12 anos de governo petista. “Lula fez alianças mais conservadoras, que foram necessárias. Entendo que naquele momento essa aliança mais ao centro era necessária. Mas precisávamos ter dado um passo avante, uma aliança mais progressista. É isso que a candidatura Eduardo Campos-Marina Silva representa”, avalia o ex-petista.
JORNAL DO COMMERCIO – Por que o senhor desistiu do mandato e da política?
MAURÍCIO RANDS – Aquela decisão não foi uma decisão de improviso. Depois do episódio da intervenção da nacional do PT, impondo um candidato à prefeitura, concluí duas coisas. Que enquanto eu e o prefeito João da Costa estávamos fazendo o debate com a militância, nos bairros e nas entidades, dirigentes estavam participando de uma articulação para uma terceira solução que não estava no debate. Então, aquilo tinha sido uma intervenção autoritária que desrespeitou a militância e os próprios envolvidos. Achava, naquele momento, que era importante a unidade da frente (governista) e sabedor da intervenção, achei por bem não aumentar o desgaste que aquele processo estava fazendo. Achei por bem não alimentar mais cizânias. Resolvi me retirar das prévias e aceitar a intervenção impondo Humberto Costa (à disputa pela Prefeitura do Recife, em 2012). E estava com uma missão estrangeira já atrasada, tinha umas reuniões para fazer no Banco Mundial, algumas palestras para fazer sobre Pernambuco. Fui para o exterior, cumpri essa agenda e aproveitei para – junto com a minha esposa Patrícia – refletir calmamente sobre o acontecido. A segunda conclusão foi que o desrespeito foi grande à minha história de militante daquele partido. Eu não tinha mais condições de continuar no PT. Então, cheguei a decisão de que deveria sair.
JC – Mas deixar o mandato não foi uma decisão radical?
RANDS – Aí ficava a questão: em saindo do Partido dos Trabalhadores, eu deveria ficar brigando na Justiça pelo mandato? Sou advogado, professor de Direito, conheço a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e achava que não ia ter sentido ficar agarrado feito caramujo num mandato, disputando na Justiça. Foi a segunda decisão que tomei num processo de reflexão serena e à distância dos acontecimentos. Com essa decisão quis mostrar as novas gerações duas coisas: que continuo acreditando na política, na democracia, nos partidos para solucionar os problemas da sociedade. E que mesmo a pessoa que acredita na política, que acredita na vida partidária, não aceita o jogo do vale tudo na política. Tem limites para a disputa de poder. Quis dar um testemunho para as novas gerações que alguém que é da política não fica agarrado aos cargos. Acredito na vida partidária e não só na retórica mas com testemunho prático de que é possível fazer política sem se servir dos cargos. É possível fazer política como uma forma de servir à sociedade e não se servir das posições ocupadas. Foi esse testemunho que quis dar ao renunciar ao mandato de deputado federal. Minha família e os meus amigos sabem do sofrimento que passei, quando deixei o mandato.
JC – Como foi trabalhar com o empresário Roberto Viana, da Petra Energia?
RANDS – Tinha a possibilidade de voltar para a universidade de Oxford (Inglaterra), onde fiz o meu doutorado nos anos 90. E nesse tempo recebi o convite de uma empresa fundada por um pernambucano que está se internacionalizando, para ser diretor internacional e também ajudar nas negociações pela minha bagagem jurídica. Fui ser diretor dessa empresa na Holanda e participando da implantação em alguns países da África. Nesse período de um ano e meio que fiquei longe do Brasil, participei como diretor internacional e advogado desta empresa implantando-a no Chade e no Sudão. Foi uma experiência rica profissionalmente como executivo, gestor e advogado. Foi uma experiência de muito sofrimento porque logo no início era tudo muito incerto. Tive que me reinventar profissionalmente. Foi um período que fiquei longe da família, longe dos amigos. Patrícia e os meninos iam me visitar, às vezes eu vinha. Foi um momento difícil, fiquei muito sozinho. Consegui dar o testemunho de que mesmo uma pessoa que é da política, que é uma atividade tão desgastada, continuo acreditando na política, mas que se pode fazer sem estar apegado aos cargos, só nas disputas de espaço político. Pode-se fazer política de modo despojado. Hoje, por exemplo, eu estou na retaguarda, mas sou um cidadão ativo , estou engajado na candidatura presidencial de Eduardo Campos. Acho que é um pernambucano e é o político nacional que mais bem está posicionado nesse momento na minha leitura para um novo ciclo que começa a se abrir no Brasil.
JC – Sua filiação ao PSB foi motivada porquê?
RANDS – No momento que saí do PT, já me sentia interiormente decidido a apoiar a candidatura de Eduardo Campos, se ela viesse a se confirmar. Porque lá atrás, em julho de 2012, já havia conjecturas de que Eduardo poderia ser candidato a presidente. Então, pela minha experiência na Secretaria de Governo do Estado de Pernambuco, eu pude observar qualidades de Eduardo que estavam bem acima das expectativas iniciais, do período inicial do governo. Eu percebi que o que Eduardo está fazendo aqui em Pernambuco, se fosse replicado para o Brasil, seria algo muito positivo. Porque ele estava combinando no exercício do governo de Pernambuco a capacidade que um governante tem de articular publicamente, de fazer política com “P” maiúsculo, com a capacidade de gestão. De trazer ferramentas modernas de gestão para a administração pública. Isso eu tinha vivenciado ao participar da coordenação de governo ao ocupar o cargo de secretário de Governo. Então, eu já tinha um convencimento interno que Eduardo era o político nacional que poderia reencarnar um novo salto de qualidade na vida política nacional e na gestão pública do País. Eu já me sentia sintonizado, a partir do momento que percebi que não poderia continuar filiado ao Partido dos Trabalhadores – pelo desrespeito de que fui vítima – e também por perceber, naquele momento, o esgotamento que o processo do PT tinha chegado. A filiação era um ato meramente formal.
JC – O senhor foi líder do governo Lula na Câmara. Como avalia os 12 anos de poder do PT?
RANDS – Gosto de dizer que o presidente Lula fez da sua política de alianças demasiadamente ampla, que era necessária no início do período. Mas, ele a transformou numa virtude que precisava ser reproduzida. Ou seja, ele fez de uma necessidade conjuntural, uma virtude permanente. E aí aquela aliança, aquele processo perdeu a capacidade de se renovar. Também já vinha percebendo isso dentro do PT, via aquela minha candidatura a prefeito do Recife como uma possibilidade de se renovar. Reenergizar o contato com a militância, reenergizar a militância pelos ideais e não pelos cargos. Já vinha fazendo um processo de amadurecimento de duas percepções: uma, a de que Eduardo tinha se sobressaído como o político nacional capaz de dar respostas ao novo ciclo que a sociedade quer que se abra. A segunda, de que o PT – que deu uma grande contribuição para a inclusão social do povo brasileiro, estava chegando ao esgotamento de seu ciclo. Então, eu estava percebendo que o PT estava perdendo a capacidade de se renovar, que o PT estava perdendo essa capacidade de dar as respostas novas ao que a juventude e ao que a sociedade está querendo, quando se mobiliza nas ruas. Era uma percepção que eu já tinha de esgotamento desse ciclo do PT, da perda de capacidade de renovação e de que era preciso que aquele processo tivesse continuidade e eu já vinha identificando que Eduardo era o cara e que o PSB já vinha a ser o veículo para a renovação da política brasileira.
JC – O modo petista de governar está superado, então?
RANDS – Estamos superando um ciclo que foi bom para o povo brasileiro, que promoveu muita inclusão social porque promoveu mudanças na cultura política. Antes, as forças populares compareciam à cena política apenas para armar os palanques. Com a vitória de Lula, as forças populares passaram a ser definitivamente protagonistas do processo político brasileiro. São essas duas contribuições que identifico no PT: o resultado do governo que promoveu a inclusão social de dezenas de milhões de brasileiros; o fator cultura política de fazer com que as forças populares fossem definitivamente reconhecidas como sujeitos do processo político, e não apenas como destinatários. O PT deu essas duas contribuições para a história do Brasil. O governo Lula fez alianças mais conservadoras, mais tradicionais. Que foram necessárias, eu continuo achando. Quando Lula começou a despontar como favorito ficou aquela apreensão de que o PT não conseguiria a governabilidade no Congresso. Se dizia que não iria ser possível conduzir a política econômica. Eu entendo que, naquele momento, essa aliança mais ao centro era necessária. Mas precisávamos ter dado um passo avante, uma aliança mais progressista, uma aliança mais com os setores da sociedade. É isso que a candidatura Eduardo-Marina vai representar.
JC – Como viu a aliança do PSB com a ex-senadora Marina Silva?
RANDS – Depois que eu regressei, depois que eu já tinha me apresentado para colaborar nesse processo de articulação da candidatura de Eduardo, naquele mesmo momento veio a sinalização de Marina, de que queria conversar com Eduardo, em Brasília, para discutir o ingresso do Rede Sustentabilidade ao PSB. A partir daquele momento, inclusive, a candidatura de Eduardo passou a ser percebida como muito mais viável. Eu me incorporei ao processo antes da adesão de Marina, mas logo depois Marina se incorporou. Marina fez também essa mesma leitura que eu, que Eduardo, que o PSB era o partido que mais tinha condições de promover essa renovação na política brasileira. Foi um processo paralelo. Tive vários contatos com ela, participei de várias reuniões, que já fizemos mais amplas, outras mais reduzidas, e eu senti que ela não está fazendo jogo de cena, ela está com uma visão muito parecida com a minha, que Eduardo está muito bem posicionado para promover a abertura de um novo ciclo. Então, ela está muito motivada. Isso que eu vejo, que às vezes sai nos jornais, de que ela está divergindo da tática em alguns Estados, isso é do jogo político. Rede Sustentabilidade não é um partido que se diluiu dentro do PSB. É um partido, foi feita uma coligação por uma situação judicial. É a consciência de uma aliança entre dois partidos, duas culturas políticas interessantes. A cultura política do Rede Sustentabilidade, de reconectar o Brasil com o tema da sustentabilidade. E a cultura do PSB, de sintonia com as lutas sociais, desenvolvimentismo social, a cultura do PSB por já ter ocupado seis governos de Estado, cinco ou seis capitais. Presença no Parlamento. A cultura do PSB de promover esse desenvolvimentismo social e de entregar resultados. Cujo maior emblema é o governo de Pernambuco, o mais bem avaliado no Brasil e que tem resultados reconhecidos até pelos seus adversários. Então, a junção dessas culturas é um casamento muito positivo para que o Brasil possa viver um novo ciclo, que preserve as conquistas sociais do PT, as conquistas de estabilidade econômica do PSDB e que preserve as conquistas da democratização. O novo ciclo não é um ciclo que vai fazer a destruição criativa como a turma lá do Vale do Silício diz. Vai preservar a boa condição da política econômica e melhorá-la e vai inaugurar uma nova forma de ver o Brasil. Melhorando a gestão da economia que hoje está patinando e crescendo somente 2% e melhorando a gestão do Estado, que é uma falha que ficou do ciclo do PT.
JC – O PT então não se empenhou em fazer a modernização do Estado brasileiro?
RANDS – O presidente Lula teve um capital político muito grande e não se concentrou na atualização do Estado brasileiro. Não houve uma grande reforma do Estado brasileiro. O Estado brasileiro, hoje, funciona mal. Um gestor para fazer uma obra pública, ele praticamente ingressa numa corrida de obstáculos. Isso eu já vinha dizendo ainda durante o exercício do mandato, antes mesmo de me tornar secretário de Governo, quando vivenciei uma experiência executiva mais de perto, presidia o comitê gestor de parcerias público-privadas. Mas, antes eu já tinha essa percepção. O Estado é travado por razões estruturais. Você tem um órgão público fazendo com uma mão e o outro desfazendo com a outra mão. São tantos mecanismos burocráticos para você realizar o serviço público que, muitas vezes, a população é prejudicada. E essa reforma do Estado precisa ser feita.
JC – O senhor tem conversado muito com empresários, intelectuais. É para debater o programa de Eduardo? Que pontos defende como linhas mestras?
RANDS – Desenvolvimento social e sustentável. Uma qualificação da política e da gestão. Essas são as duas grandes qualidades de Eduardo. Ele se mostrou um governador que é hábil articulador político, que, ao mesmo tempo, sabe juntar pessoas que queiram fazer o melhor para a população e mostrou que é um gestor público eficiente, que trouxe ferramentas do setor privado e conseguiu com todas as dificuldades estruturais da máquina pública brasileira produzir resultados. Então, essa dupla qualidade vamos levar para o plano nacional. Agora, no dia 4 (terça-feira), vamos lançar as diretrizes para o plano de governo. Nós já fizemos alguns seminários que delinearam essas diretrizes com a participação de pessoas indicadas pelo PSB e pelo Rede.