Natural de Sertânia, graduada em Direito e especializada em Segurança Pública e Cidade, Elba Ravane assumiu a Secretaria Especial da Mulher em Caruaru ainda em 2011, logo depois que a então gestora da pasta, Louise Caroline, precisou se afastar do país para participar de uma especialização. Ela vem ganhando experiência técnica como secretária e conseguiu o aval do prefeito reeleito Zé Queiroz (PDT), para continuar no comando da secretaria a partir de 2013. Petista, ela faz parte do grupo MAIS e, junto com Louise, que assumirá a pasta de Participação Social, ela confirma o fortalecimento do Partido dos Trabalhadores na gestão municipal de Queiroz. Em entrevista exclusiva ao Blog do Mário Flávio, Elba faz um balanço das ações da secretaria, da qual ela já fora chefe de Gabinete e diretora de Relações Institucionais. Segundo Elba, a principal meta da pasta no ano que vem será executar o 1º Plano Municipal de Políticas Públicas para a Mulher.
Johnny Pequeno – Como você avalia o impacto das ações desenvolvidas pela Secretaria Especial da Mulher desde a implantação até o período em que você está no comando da pasta?
Elba Ravane – Caruaru era uma, antes da implantação da Secretaria da Mulher, e é outra cidade hoje. Não havia, por parte da gestão pública, uma discussão referente aos direitos das mulheres, e que contribuísse para a emancipação e para que as mulheres saíssem mais cedo de um ciclo de violência. Quando o prefeito tomou a decisão de criar a secretaria, nomeando Louise Caroline para a pasta, acredito que iniciamos um processo de transformação cultural na cidade. A gestão passou a fazer discussão sobre igualdade de gênero e a secretaria também rompeu outros paradigmas. Quando em fevereiro de 2009 foi convocado o primeiro Fórum de Mulheres de Caruaru, foi iniciada uma nova perspectiva de gestão e interação com as mulheres, que passaram a opinar e interferir na construção na implantação de políticas públicas. Creio que as ações da pasta contribuíram de forma prática para que os próprios números de violência contra a mulher diminuíssem. Em 2008 tivemos em Caruaru 10 homicídios, a partir de 2009, foram registrados 7, e então verificamos que esse índice começou a cair. Em 2011, foram 4, e agora em 2012, foram 2 homicídios registrados. Nosso objetivo é romper cada vez mais cedo o ciclo de violência.
A secretaria consegue calcular tecnicamente se o índice de denúncias de violência contra a mulher sofreu uma grande variação nesses últimos anos?
A gente tem uma parceria com a Delegacia da Mulher, que tem como gestora em Caruaru Pollyane Farias, e em Pernambuco, a coordenadora Lenise Valentim, que são muito comprometidas com as políticas públicas para mulheres. Então, todos os meses, recebemos relatórios com esses dados. Cada vez mais, o número de denúncias tem aumentado. Se aumenta, e o número de homicídios diminui, isso significa, com base em pesquisas em todo o país, hoje elas estão denunciando mais, o que contribui para a redução de homicídios. Isso também é fruto de uma articulação com o Governo do Estado, através da Casa Abrigo, por exemplo, para a mulher ser abrigada em uma situação de risco iminente de morte. Há uma série de ações em conjunto para que possamos dar suporte a essas mulheres. E, ao contrário do que alguns afirmam, que o índice de violência aumentou a partir da Lei Maria da Penha, o que ocorre de verdade é que há mais denúncias. O número de mulheres atendidas pelo Centro de Referência da Mulher aumentou muito. Foi um acerto da gestão transferir o centro para ser administrado pela Secretaria e também ter transferido a sede para outro local, na Rua Felipe Camarão, que é mais próximo para que mulheres de diversos bairros tenham acesso aos serviço oferecidos. Além disso, esse ano implementamos o projeto Lei Maria da Penha nas Escolas para que uma equipe do Centro faça a discussão sobre a Lei e sobre os serviços oferecidos pela Secretaria nas escolas municipais, que também participam de um concurso de redação. Esse projeto foi lançado em agosto de 2012, e pelo último relatório que recebi, no início de dezembro, já foram atendidas mais de 1500 pessoas, e além de estudantes, o projeto acabou atendendo pais e moradores de comunidades próximas.
Não é um trabalho fácil, porque nesse século o machismo só ganhou novas faces e o trabalho da Secretaria se torna desafiante.
Você cita a importância de promover a garantia do acesso a políticas públicas para as mulheres, mas é possível perceber que as próprias mulheres apresentem um preconceito internalizado, um aspecto cultural que precise ser combatido?
Não é que as mulheres tenham preconceito. Nossa sociedade é machista e patriarcal. Nós estamos nesse ambiente. Desde cedo somos criadas seguindo comportamentos que nos moldam a partir dessa cultura machista. As meninas vestem rosa, os meninos vestem azul, as meninas são colocadas para cuidar da casa, no ambiente privado, e os meninos, ficam na rua, brincando e jogando bola, no ambiente público. Isso tudo repercute na construção cultural dos homens e mulheres de nossa sociedade. Isso, apesar de ser algo de muito tempo, ainda é muito presente nos dias atuais. O nosso diálogo é com as mulheres, mas também com os homens. Durante os 16 Dias de Ativismo [saiba o que foi clicando aqui], por exemplo, estivemos no Presídio Juiz Plácido de Souza, numa parceria com o núcleo de pesquisa da UFPE, e dialogamos com os detentos. Pudemos verificar como a cultura machista tem desaguado, e acredito que a face mais cruel dela é a violência. Isso é um trabalho de fortalecimento pessoal e político com as mulheres para que elas entendam que possuem o direito de viver livres de violência e de repressões sociais em várias instituições sociais, como é o caso do próprio casamento. Nós também realizamos um curso, De Olhos Abertos para a Violência contra a Mulher, em parceria com o Governo Federal, que capacitou 500 profissionais da rede, cujo objetivo é que esses profissionais entendam a dinâmica da violência contra a mulher e que é necessário ter uma atuação junto a elas para que se fortaleçam e busquem os serviços a que têm direito. Mas, não é um trabalho fácil, porque nesse século o machismo só ganhou novas faces e o trabalho da Secretaria se torna desafiante.
Como está o acompanhamento da Secretaria junto às mulheres em situação de prisão em Buíque? Lembro que em uma entrevista que fiz com Louise Caroline, ainda à frente da pasta, ela demonstrou bastante preocupação com a situação delas…
A gente tem um trabalho de intervenção junto a essas mulheres, que também sofrem com a desigualdade. Geralmente, quando os homens estão em situação de prisão, continuam recebendo apoio integral da família, e por mais precária que seja essa situação, em relação às mulheres, geralmente é pior. Nosso foco junto a elas é justamente desenvolver ações de reflexão e de ressocialização, além de atividades de geração de renda, como é o caso da implantação da turma do programa Mulheres de Barro, que tem o foco de possibilitar a elas a possibilidade de serem autônomas, longe da criminalidade, quando saírem do presídio e voltarem a Caruaru. Ainda neste ano, dentro do programa de 16 dias de ativismo, desenvolvemos ações com as mulheres presidiárias que são munícipes de Caruaru.
A política de gênero deve, sim, estar alinhada ao pensamento feminino de sociedade, que defende a igualdade entre homens e mulheres, entre os heterossexuais e a população LGBT, e que não haja machismo, racismo, lesbofobia, nem qualquer outro tipo de preconceito
A Secretaria acabou englobando atribuições que vão além da defesa dos direitos das mulheres, compreendendo outros segmentos sociais. Acredito que a população LGBT seja uma das que mais tenha a agradecer às ações da pasta, por exemplo…
É preciso que compreendermos que a secretaria abarcou essas discussões devido a nossa perspectiva de construção de sociedade. A política de gênero deve, sim, estar alinhada ao pensamento feminino de sociedade, que defende a igualdade entre homens e mulheres, entre os heterossexuais e a população LGBT, e que não haja machismo, racismo, lesbofobia, nem qualquer outro tipo de preconceito que implique a negação de direitos ou a exclusão ao aceso de políticas públicas. Foi por essa razão, por exemplo, que desenvolvemos uma série de atividades voltadas à população LGBT. Nessa perspectiva, temos desenvolvido um projeto de promoção dos direitos das mulheres transexuais de Caruaru, em parceria com o movimento LGBT, representado pela ATRACA, e em parceria com a ONG Gestos, com sede em Recife. Temos aprendido muito com esse projeto, porque vemos o quanto Caruaru conseguiu avançar nessa pauta a partir da ação da Secretaria da Mulher, de mãos dadas com o movimento LGBT.
Entendo, mas há algumas semanas, um parlamentar jovem de Caruaru, Cleyton Feitosa, que representa o movimento ArtGay, apresentou uma solicitação à Câmara Municipal para que fosse pensada a criação de uma secretaria de Direitos Humanos na cidade. Você acredita que a gestão comportaria, no futuro, mais uma pasta que atendesse essa demanda social?
É importante dizer que Cleyton tem sido uma voz importante na interlocução na promoção dos direitos dessa população. É claro que é preciso avançar mais, assim como eu citei em relação aos direitos das mulheres. No entanto, eu acho que essa é uma avaliação mais técnica, é preciso considerar outros fatores. É importante que a gestão desenvolva políticas públicas nesse sentido, como vem fazendo. A criação de um novo organismo é uma outra discussão. Acredito que o mais importante é o governo ter o compromisso de desenvolver políticas para promover os direitos humanos, algo que vem sendo feito desde 2009, com a finalidade incluir segmentos que foram historicamente excluídos na nossa sociedade, como a população LGBT, negra, ou as comunidades de terreiros.
Desde que assumiu a pasta até agora, qual sua análise sobre seu amadurecimento enquanto secretária?
Aprendi muito, errei também, o processo de aprendizado é isso. A gente tem que receber elogios, críticas e sugestões com muita atenção, para que possamos melhorar e creio que consegui amadurecer pessoalmente e profissionalmente ao longo desse ano, assim como o Blog do Mário Flávio também está completando um ano. Agradeço ao prefeito José Queiroz, a Louise e a toda a equipe da secretaria por terem confiado em mim para assumir essa missão. Também aprendi com a imprensa e, claro, com as mulheres de Caruaru, com os movimentos… Há duas semanas participei de uma atividade com Movimento da Mulher Trabalhadora Rural do Nordeste, e em atividades como essas, a partir do depoimento e visões dessas mulheres sobre o que ainda precisa ser desenvolvido em políticas públicas, é possível refletir sobre o que posso melhorar na própria atuação da Secretaria Municipal.
A previsão orçamentária da Secretaria para 2013 ficou em pouco mais de 1 milhão de reais. Você acredita ser um valor adequado para as metas da pasta no ano que vem?
Essa previsão foi feita a partir de um estudo, com base no plano municipal de políticas públicas para a mulher, que é também uma grande conquista. Hoje não só há políticas públicas, mas há um plano municipal de políticas públicas para mulheres, assinada pelo prefeito José Queiroz, com a proposta de redação que as próprias mulheres de Caruaru, depois de se reunirem em assembleias, apresentaram ao prefeito. Isso é algo que raramente se vê em outros municípios. Essa previsão corresponde a essas propostas contidas no plano municipal e acreditamos que será possível implantar as ações conforme essa previsão orçamentária.
Ao longo deste ano teremos o desafio de executar o 1º Plano Municipal de Políticas Públicas para a Mulher que assinamos em março de 2012
Qual o grande desafio da Secretaria em 2013?
Pretendemos continuar contribuindo com a gestão do prefeito, que tem preocupação com a igualdade de gêneros, com direitos humanos e diversidade, e ao longo deste ano teremos o desafio de executar o 1º Plano Municipal de Políticas Públicas para a Mulher que assinamos em março de 2012, queremos chegar na próxima conferência municipal de políticas públicas com este plano executado.
Falando sobre política partidária, quando Louise assumiu a pasta, e você deu continuidade aos trabalhos depois, talvez tenha sido o exemplo mais claro de que o PT em Caruaru estava ligado aos movimentos sociais. A partir de 2013, você acredita que o partido conseguirá ampliar essa aproximação coma defesa do social?
O presidente Vanuccio Pimentel e a companheira Louise já se manifestaram sobre isso por diversas vezes… O mais importante para o Partido dos Trabalhadores não é assumir pasta A ou B, mas influenciar sobre o que o PT pensa enquanto propostas de governo para que Caruaru possa avançar em políticas públicas. O PT, enquanto partido que tem preocupação com uma sociedade diferente e pautada na igualdade e direitos humanos, vai conseguir continuar influenciando positivamente essa gestão, dialogando para avançar na construção de uma Caruaru cada vez melhor.
Vanuccio e Louise já disseram em uma entrevista anterior a Mário Flávio, que o PT em Caruaru passava por um momento marcante e histórico. Você concorda?
A gente vive o melhor momento histórico, o resultado da eleição de Vanuccio demonstra isso, uma situação em que o partido está unido. Temos várias diferenças entre as tendências do partido, mas quando se trata no projeto de sociedade, independente de tendência, temos a mesma proposta para apresentar ao povo de Caruaru. Hoje, o conjunto do partido conseguiu compreender isso. Precisávamos de 16 votos e conseguimos 21 [Elba é do MAIS PT, tendência de Vanuccio]. Apesar de não termos conseguido eleger um vereador, o partido saiu fortalecido dessa eleição, pois saímos com unidade e conseguimos amadurecer muito ao longo desse ano.