Coluna da quinta do blog do MF – Marco Maciel, o estadista que Pernambuco esqueceu

Mário Flávio - 24.07.2025 às 08:09h

Por mais que sua biografia impressione, Marco Maciel tornou-se, aos poucos, uma figura silenciosamente apagada da memória coletiva de Pernambuco, muito por questões ideológicas e pelos professores de história serem a maioria de esquerda. Foi governador, senador, deputado, presidente da Câmara, ministro da Educação, chefe da Casa Civil e vice-presidente da República. Mas seu maior título talvez tenha sido outro: o de homem público honrado, respeitado por adversários e admirado por aliados.

Durante 50 anos de vida pública, Maciel jamais se envolveu em escândalos. Nunca respondeu a um processo ou se beneficiou de cargos para enriquecer. Em tempos em que ética virou raridade na política, sua postura discreta, coerente e leal ao país e aos princípios democráticos parece pertencer a outra era. E talvez por isso tenha sido esquecido: era moderado demais para um tempo marcado pelo grito e pela polarização.

Natural do Recife e formado em Direito pela UFPE, Maciel começou sua trajetória ainda na juventude, liderando movimentos estudantis. Aos 26 anos já era deputado estadual, e aos 36, presidente da Câmara dos Deputados. Foi nomeado governador de Pernambuco em 1979, cargo que exerceu com dedicação quase obsessiva, dormindo pouco, trabalhando de madrugada e sacrificando o conforto da própria família em nome da responsabilidade pública.

Foi um governador técnico e sensível. Implantou projetos estruturantes no interior, como o Asa Branca, que levou água ao Sertão, e lançou as bases do polo industrial de Suape. Ao mesmo tempo, agiu com grandeza ao recolocar no Palácio do Campo das Princesas o retrato de Miguel Arraes, seu adversário político. Recebeu Arraes de volta ao Brasil, durante a redemocratização, como um ato de justiça histórica. Um gesto raro de reconciliação no país das rachaduras políticas eternas.

Durante o regime militar, Maciel nunca se alinhou ao arbítrio. Nos bastidores, ajudou a costurar a transição para a democracia. Recusou convite para ser vice de Tancredo Neves por fidelidade partidária. Ainda assim, rompeu com o PDS para apoiar a Aliança Democrática. Como ministro da Educação, recriou a UNE e a UBES, devolvendo voz aos estudantes, que hoje não aceitam nos congressos as opinões de quem pensa diferente. Depois, foi um dos articuladores do Plano Cruzado. Em 1994, chegou à vice-presidência da República na chapa de Fernando Henrique Cardoso, que o chamava de “o vice dos sonhos”.

Ao longo dos oito anos no Planalto, exerceu o cargo com discrição e decência. Conhecia os parlamentares pelo nome e trajetória, e devolvia parte do salário e sobras de gabinete ao fim do mês. Jamais buscou autopromoção ou se aproveitou do poder. Era, segundo todos os relatos, um homem de palavra — e de fé. Católico fervoroso, jejuava, ia à missa com regularidade, lia Santo Tomás e carregava o breviário no bolso.

Na vida pessoal, viveu por mais de 50 anos ao lado da esposa Anna Maria, com quem teve três filhos. Apaixonado por literatura e história, escreveu livros e ocupou cadeiras na Academia Pernambucana de Letras e na Academia Brasileira de Letras. Encomendou pessoalmente a obra “Pernambucanidade”, de Nilo Pereira, para preservar a memória e o espírito do povo do seu estado.

Nos últimos anos, travou uma batalha silenciosa contra o Alzheimer. Faleceu em 2021, aos 80 anos, após complicações da Covid-19. Seu corpo foi velado no Senado Federal e sepultado com honras de chefe de Estado. Bolsonaro decretou luto oficial de três dias. Foi a última homenagem pública a um homem que atravessou seis décadas de vida pública com dignidade e dedicação incomuns.

Hoje, porém, Marco Maciel é lembrado apenas por alguns poucos, entre eles o ministro da Pesca, André de Paula, um macielista, convicto. Pernambuco, que tanto se beneficiou de sua seriedade e visão de futuro, parece ter virado as costas para sua memória. Talvez porque Maciel não se encaixe na lógica do espetáculo, da autopromoção, do embate ruidoso. Ele representava outra política: a da construção, da palavra cumprida, da moderação que une em vez de dividir.

E essa talvez seja a maior injustiça de todas: esquecer um homem que jamais esqueceu de servir ao Brasil. O estado ainda pode rever essa injustiça. Texto com informações de Micael Crasto.