Em meio aos sucessivos escândalos políticos observados no Brasil, que se baseiam no desenho institucional “possível” de 1988, damo-nos conta que o modelo do presidencialismo de coalizão está saturado. Hoje percebemos que, apesar de termos uma democracia liberal (se considerarmos apenas a possibilidade da competição eleitoral e da escolha direta dos representantes por parte da população como a grande força motriz desse sistema), a decisão sobre o governo não passa pelo crivo direto do povo, entre outras coisas, porque:
1) Vereadores, Deputados Estaduais e Federais, sendo escolhidos pela proporcionalidade, proporcionam-nos legislativos pouco ou nada representativos, porém legitimados (vota-se em alguém para eleger outrem!!).
2) Os partidos políticos não representam bandeiras coletivas de “percepção de partes” do eleitorado e da população sobre o que é melhor pra todos, mas são continuamente utilizados para servir apenas como estrutura de manutenção de espaços de poder a seus “caciques” e associados, ávidos pelas regalias proporcionadas pelo Estado. Daí porque a grita que os Partidos querem o poder pelo poder, para garantir privilégios e benefícios individuais, custeados pela coletividade, não pra servir a causas coletivas.
3) O lobby ou “advocacy” não foi ainda regulamentado no Brasil, o que dá margem para diferentes tipos de práticas por parte dos grupos econômicos ou organizações e movimentos mais bem articulados que, diferentemente da massa de eleitores (pouco esclarecida e desarticulada), consegue atuar com maestria na efetivação de suas agendas e interesses.
4) Além do mais, financiando as campanhas políticas, empresas e setores econômicos terminam tendo benesses e estímulos próprios dos governos eleitos com seu apoio, a exemplo do que aconteceu na última eleição, quando o agronegócio, a construção civil e o setor financeiro fizeram os maiores aportes financeiros às campanhas de Dilma (PT) e de Aécio (PSDB). O que é pior, os 10 maiores doadores de campanha em ambos os casos, representam algo como 60% da arrecadação, um oligopólio econômico bastante influente…
5) Após eleito, raramente o Executivo possui base política de apoio no Legislativo que garanta a governabilidade. Isso quer dizer que o povo apenas indica quem vai participar das negociações e conchavos políticos entre novembro e dezembro, após as eleições, para montar o governo. E aí entra em jogo negociação de ministério, loteamento de espaços com cargos comissionados etc.
6) Desde 1988, nenhum presidente da República foi eleito com a efetiva maioria dos votos, posto que, historicamente, entre 25% e 30% dos votos são “desperdiçados” como brancos, nulos ou abstenções. 50% + 1 dos votos “válidos” desde a eleição de Collor, chega a representar pouco mais de 1/3 da população de eleitores. Daí termos um Executivo também pouco representativo, mas, legitimamente eleito.
7) Além do mais, sabemos que o Judiciário, a partir de um determinado nível hierárquico não é formado levando em conta apenas o mérito e, sim, indicações e escolhas políticas oriundas de outro Poder Republicano.
Dito isto, é até de se estranhar porque tanta surpresa com o resultado operacional de um sistema político extremamente clientelista, pouco coeso e “permitido” por uma população que, em sua maioria, ainda está excluída, em diferentes níveis, mas que também carrega uma cultura de ilícitos e de práticas contínuas de pequenas ou grandes corrupções.
A crise moral, ética e institucional que vivemos hoje no Brasil é um momento precioso para refletirmos o que queremos de fato. Ser um país sério não vai cair com a chuva, nem vai ser fruto de milagre ou trabalho de messias “salvador da pátria”…
A política somos nós, nossas escolhas e atitudes cotidianas!!! Eleger e não participar politicamente de outra forma, ao menos acompanhando a atuação etc. é tão nocivo quanto vender o voto.
Quando um sistema que, em essência, é para tratar do “bem comum” está permeado pela individualidade e pela cultura do “salve-se quem puder”, o que podemos esperar senão crises cíclicas que continuam tendo como único objetivo, infelizmente, tirar quem está para colocar que ainda não chegou, ao invés de ser aperfeiçoar e melhorar o sistema?
A questão é simples: investimos seriamente na educação para a cidadania desde a 1a. infância, julgamos e punimos TODOS os desmandos e grupos que destróem nosso patrimônio coletivo a partir do mau uso do poder e das instituições, aperfeiçoamos os instrumentos de transparência e de controle social do poder, participamos com mais tempo e qualidade democrática e renovamos nossas instituições … ou continuaremos a ter um sistema que induz à corrupção, que gera assimetrias e que impõe sobre o cidadão que o elegeu e acreditou, todos esses desmandos que já estamos acostumados a ver no Brasil.
A inovação democrática disruptiva é essencial nesse momento! Poderia ser a agenda de fronteira de cientistas sociais e de humanidades pelos próximos anos… Um sistema que empodere o cidadão, mas que também o eduque a entender as razões e perspectivas divergentes dos demais; e que, sobretudo, dê a todos a capacidade de superar estas divergências para construir juntos soluções para todos. Precisamos unir-nos, apesar da diversidade!!
Não vejo escuridão nessa crise, apenas oportunidades. Mas, será que estamos mesmo preparados para realizar esse salto civilizacional?
*Marconi Aurélio e Silva é Doutor em Ciência Política e Presidente da CIVITAS – Associação Cultural e de Cidadania.