As eleições de 2014 vieram depois de um levante popular que, apesar de um início homogêneo, foi aos poucos dividindo a população entre aqueles que se declaravam de “esquerda” e aqueles que se declaravam de “direita”. Houve uma inflação de institutos liberais, conservadores, coletivos e todo tipo de aglomeração de pessoas em torno de ideias e valores. A sociedade começava a se politizar e, necessariamente, encontrar antagonistas.
Numa eleição acirrada, o PT sai vitorioso e as ruas se inflamam. Movimento Brasil Livre, Vem pra Rua, Revoltados Online, entre outros, formavam uma linha de frente antipetista jamais vista na nossa história. Milhões vão para as ruas protestar contra o governo Dilma, uma legião de descontentes encontra nessas manifestações um alto-falante para suas maiores insatisfações. A sociedade se divide entre os “coxinhas” e os “mortadelas” e querendo ou não você seria enquadrado numa dessas categorias, era o ápice de uma guerra cultural.
Após um longo processo, muitas teses jurídicas e políticas confrontadas, com o aperitivo de muitas amizades perdidas, a presidente é afastada, marcando uma parca vitória dos movimentos de rua e daqueles que por dois anos passaram bradando o “Fora Dilma”. Poucos meses depois do afastamento definitivo seriam realizadas as eleições municipais.
O PT é varrido do mapa do poder no Brasil e, além de perder em todas as capitais, sofre um baque aviltante em São Paulo com a eleição de um tucano em primeiro turno. Em Recife, sofre uma brusca redução no quadro de vereadores e perde a eleição para prefeito. Sob todos esses escombros uma cidade chamaria a atenção: Caruaru.
No xadrez político das eleições municipais da princesa do agreste, com alguns candidatos fortes, outros nem tanto, vimos o inesperado acontecer: uma aliança entre petistas e tucanos pela candidatura de Raquel Lyra. Com espanto vimos membros da UJS, UNE e outros movimentos de esquerda pedindo votos e usando de malabarismos retóricos para justificar tão estranho apoio. Na esfera nacional gritavam PSDB golpista, na esfera municipal se abraçavam à candidatura de Raquel numa lua de mel frenética. Ocupavam as escolas e universidades bradando direita fascista com o adesivo roxo em formato de coração colado no peito. Aquela categorização entre coxinhas e mortadelas simplesmente falha e vem demonstrar que há um vazio ideológico na política caruaruense, pois por mais que se condene a divisão ela é necessária para que uma discussão sensata sobre a cidade seja travada.
Já diz o velho ditado que a vitória tem muitos pais, mas a derrota é órfã; jamais saberemos se esse apoio do PT à candidatura de Raquel teve influência negativa em sua campanha (há pessoas convictas de que ela levaria esse pleito mesmo sem o apoio do PT), mas ao menos ficou claro, principalmente para os petistas mais exaltados e para os liberais e conservadores mais puristas, que no fim das contas tudo é pragmática e as alianças, por mais espúrias que sejam, vão acontecer. Para aqueles que enxergam política como a arte do consenso e retiram as ideologias de lado o que ocorreu em Caruaru foi algo normal. Para aqueles que vislumbram política como campo de ação das ideologias o que ocorreu foi realmente estranho e só o tempo dirá se foi certo ou não.
Nesse intrincado cenário caruaruense podemos tirar algumas conclusões: que o governo de Raquel Lyra terá desafios enormes pela frente para adequar sua agenda como lastro a uma agenda petista; que os movimentos sociais caruaruenses terão de passar quatro anos dando nó em pingo d’água para explicar a participação num governo do PSDB; por fim, que Caruaru precisa urgentemente de um embate mais firmes de ideias para que a política deixe de ser vista como mero jogo de interesses e comece a buscar sua essência que é a luta por ideais, dando um salto de qualidade em futuros pleitos.
*Paulo Fernando, advogado, mestrando em Direito pela UFPE, coordenador estadual do Movimento Brasil Livre Pernambuco.