Por meio de uma nota a petista que disputou a eleição na vice de Jorge Gomes (PSB) explicou que não apoia as candidaturas de Tony Gel (PMDB) e Raquel Lyra (PSDB) no pleito que se aproxima. O candidato Jorg Gomes também ficou neutro na disputa. Abaixo a íntegra do texto.
Minha posição sobre o segundo turno em Caruaru.
Nem um, nem outro: muito pelo contrário
“Não chore ainda não, que eu tenho a impressão que um samba vem aí.
Um samba tão imenso que eu às vezes penso que o próprio tempo vai parar pra ouvir” (Chico Buarque)
Primeiramente, Fora Temer.
Caruaru, 11 de outubro de 2016
Após alguns dias de escuta, reflexão e descanso, dirijo-me à sociedade caruaruense para dialogar acerca das eleições municipais. O texto é longo porque o tema exige e nunca fui adepta de notas frias preocupadas mais com o efeito publicitário que com o diálogo sincero. Espero contribuir com um bom debate.
Inicialmente, quero compartilhar a alegria de ter vivido essa magnífica experiência nos últimos meses. Quantas pessoas, lugares e questões pude conhecer nessa campanha! Saio mais convicta, forte e consciente do que quando entrei. Há tanto a ser transformado e tanta gente fazendo um pouco para isso, que só trago de saldo a renovação da esperança. Agradeço a cada um dos 19.949 eleitores/as que votaram em Jorge e Louise.
Aos 11,62% que resistiram à pressão das pesquisas, depositando seu exercício de cidadania no projeto que apresentamos. A Jorge, Queiroz, Wolney, Laura (condutores do processo), ao PT e à DS (meu partido e corrente interna), e aos demais partidos, vereadores, movimentos sociais, jovens e mulheres, equipes de campanha e colegas de gestão: muito obrigada pela escolha ousada de me ter como candidata a vice-prefeita, mesmo que eu não trouxesse sobrenome “de peso”, dinheiro ou “base” eleitoral. Obrigada pela aposta na renovação da política, fora dos padrões e comportamentos caretas e antiquados que a dominam. E, principalmente, agradeço a meu amor, familiares e amigos/as, aos que torceram, mandaram mensagens de apoio, orientaram, corrigiram, sentiram-se representados. Em tempos tão difíceis no mundo e no Brasil, encontrá-los faz crer possível um novo jeito de caminhar.
Registro também a alegria pela eleição de Daniel Finizola como vereador e aos 2.017 eleitores que vieram conosco construir a Caruaru que a gente sonha. Embora o papel que desempenhei na campanha majoritária tenha me limitado a expressar preferências, é notório que Daniel foi candidato de nosso coletivo político na cidade, o MAIS, que em 2008 me lançou candidata a vereadora. A eleição de Daniel, jovem, músico, professor, de esquerda, consagra como acertada a tática que elaboramos há 8 anos, período em que construímos políticas públicas voltadas para a participação social, a inclusão de setores marginalizados, os direitos humanos, as questões de igualdade feministas, raciais e LGBTs, o diálogo e vivência com os movimentos sociais, a coerência partidária e o foco em um projeto de longo prazo, feito de baixo para cima. Daniel, assim, representa muita gente, muito sonho, e, por isso, venceu sem apelar para os vícios da política tradicional, sem compra de votos, sem promessas de emprego, e com um discurso radicalmente transformador.
A Câmara de Vereadores jamais será a mesma. Abrem-se as portas para um mandato coletivo, cujo objetivo é dar vez e voz a segmentos sociais tão alijados dos espaços de poder. Por ser movida a sonhos tão grandes, por acreditar em uma política tão diferente, por lutar por uma cidade muito melhor, escrevo também para externar que no segundo turno das eleições municipais de Caruaru optarei pelo caminho da neutralidade. Não sou capaz de dar apoio a um projeto em que não acredito. Todas as vezes em que me pronunciei em defesa de alguma candidatura foi por acreditar que elas poderiam aumentar as doses de amor, de alegria, de compartilhamento do poder. Seria irresponsável defender algo distinto. Neutralidade não significa deixar de ter posição. Ao contrário: neutralidade entre opções indefensáveis é ter uma posição ideológica, coerente, ainda mais difícil que apenas fazer um acordo eleitoral. Explico meus dois motivos fundamentais para essa decisão:
1. O cenário nacional: acredito profundamente que estamos vivendo um golpe no país. Uma presidenta eleita foi afastada pelo Congresso sem que se comprovasse por ela a prática de qualquer crime. Em seu lugar, mais que um vice golpista, empossou-se um programa de gestão completamente oposto àquele escolhido pelas urnas. Nossa aliança com o candidato Jorge Gomes, do PSB, passou por acordo a esse respeito, dentre outras questões programáticas que compuseram a aliança liderada pelo PDT. Tanto é verdade, que nossa campanha realizou o maior ato “Fora Temer” da cidade, emitimos panfletos com a posição contra o golpe e por diversas vezes tal posição foi entoada por nossa militância, candidatos e lideranças, da convenção aos comícios e debates. Não tenho como votar em quem quer governar Caruaru aliado ao golpe nacional. Porque isso diz sim respeito à nossa cidade. Primeiro, por significar a falência completa da democracia. Não há política possível sem democracia, sem respeito às urnas, à cidadania. Segundo, porque o programa que está sendo implementado por Temer inviabiliza as políticas sociais que promovem a distribuição da renda, os direitos básicos da população.
O Governo Federal acaba de fazer uma reforma da educação por Medida Provisória, contrariando qualquer princípio democrático na consecução de uma reforma tão séria! Ainda, aprovou medida que permite a exploração do Pré-Sal sem a participação da PETROBRÁS, entregando de graça o maior patrimônio nacional, que estava destinado a Saúde e Educação. Ao mesmo tempo, apresenta a horripilante PEC 241, que simplesmente congela os gastos sociais por 20 anos! Como será possível aumentar creches, ampliar o SUS e o SUAS, promover inclusão social, gerar empregos, sem que o Estado invista nessas políticas? Candidaturas à prefeitura que prometem ampliação dos serviços públicos e ao mesmo tempo apoiam o governo golpista do Sr. Fora Temer, estão cometendo estelionato eleitoral antecipado. Por isso, não tenho a menor condição política e pessoal de apoiar golpistas. Em Caruaru, confrontam-se no segundo turno o candidato do PMDB, ex-DEM, cuja estrela do primeiro turno foi o Senador Jarbas Vasconcelos, comandante do golpe nacional; e, do outro lado, a candidata do PSDB, exatamente o partido que nunca aceitou o resultado das eleições de 2014 e por todos os meios tentou (até conseguir) retirar a Presidenta Dilma.
Ambos os candidatos, pessoalmente, além de seus partidos, já externaram que não irão se opor ao golpe. O que acontece no país é muito sério e quem pagará o pato serão os mais pobres pelos quais Lula e Dilma governaram nos últimos 13 anos. Tenho consciência de que o PT cometeu vários erros, especialmente por se adaptar ao jogo político viciado comandado por décadas pelas elites nacionais. Para mudar isso, luto há anos dentro do partido. Mas não corroboro com a opção de alguns setores da mídia, da justiça, dos formadores de opinião, muitas vezes orientados por uma seletividade de classe, cor e partido, ao condenar apenas uns e fazer vista grossa para outros. Defendo que qualquer pessoa envolvida em mau uso da coisa pública pague pelos seus delitos. Mas se esse fosse o caso, Eduardo Cunha, Renan, Temer, Aécio, FHC, diversos empresários, juízes e donos da mídia não estariam soltos mandando no Brasil. Se esse fosse o caso, PMDB e PSDB, líderes no ranking de fichas-sujas no país, não posariam de defensores da honestidade. Dilma foi retirada não por combate à corrupção, mas para devolver ao poder central aqueles que sempre roubaram esse país, deixando ao povo as migalhas. Estão em jogo as conquistas de dignidade, Universidade, ascensão social, moradia, conquistados nos governos do PT. Por isso, a questão nacional não é coisa menor, nem tema distante das eleições municipais. Precisamos de uma ampla reforma política e partidária. E ela não será feita enquanto se desvie o debate dos verdadeiros problemas para criminalizar a esquerda brasileira. Golpe não é solução, ao contrário, aprofunda a crise política e econômica. Nenhum voto a golpistas!
2. A Nova Política: o segundo motivo pelo qual manterei a posição de neutralidade é porque atuo em Caruaru orientada pela certeza de que nossa cidade, ainda mais que as outras, precisa de uma transformação radical na sua prática política. Já passou o tempo do assistencialismo, paternalismo, do coronelismo, do familismo, e outros desvios da vida política citadina. A aliança que fizemos com Queiroz em 2008 e que culminou na chapa com Jorge em 2016 foi pautada pela abertura à emergência de uma prática participativa e inclusiva. Nesse período, criamos dezenas de Conselhos temáticos, realizamos Conferências, Rodas de Diálogos, criamos a Secretaria da Mulher e Direitos Humanos, com assessoria LGBT e de Igualdade Racial. Criamos e instalamos duas Câmaras Técnicas, uma delas, a de combate à Violência Obstétrica, é a primeira da América Latina! Criamos o Gabinete Digital e realizamos o Orçamento Participativo, que dialogou com mais de 10 mil pessoas e investiu mais de 15 milhões de reais, ambos projetos nacionalmente premiados.
Aprovamos a ampliação da licença-maternidade e paternidade, fomos a única Prefeitura do país a vetar a emenda que retirava o debate de gênero no Plano Municipal de Educação e a primeira de Pernambuco a aprovar o uso do Nome Social. Enfim, deixamos um legado de mais de uma dezena de atos normativos pautados na igualdade e na inclusão em todos os aspectos. Apenas um sopro, uma pincelada, uma abertura à mudança profunda que necessitamos.
O resultado das urnas mostra que talvez não tenhamos conseguido expressar adequadamente que nosso projeto representava uma cidade mais diversa, uma política mais aberta e progressista. Mas o alto índice de abstenções, votos brancos, nulos e votos ansiosos pela busca do “novo”, demostram que a antiga política está nua. O povo já não aceita mais ser conduzido. Essa campanha me confirmou, na prática, que são dezenas e dezenas de lideranças de novo tipo dispostas a conduzir seus próprios destinos. Multiplicam-se os coletivos culturais, sociais, de gênero e sexualidade, de esportes e meio-ambiente, ciclistas, pesquisadores, economia criativa, artistas, agricultores e tecnologia pensada a favor do bem comum. Esse caldo social e cultural mais cedo ou mais tarde irá se expandir.
Esse é o samba que virá! É ele que me motiva a fazer política, atividade de alto custo pessoal para quem não se dobra ao jogo. Escancarar as portas da Prefeitura para essas expressões sociais foi determinante para aceitar o desafio de compor a chapa ao lado de Jorge e lutar com todas as forças por nossa vitória. Não posso acreditar que emergirá nova política nem de Tony Gel nem de Raquel. O primeiro, por motivos mais óbvios que a segunda. Tony representa o que há de mais claro da velha política, baseada em troca de favores e tapinhas nas costas, discurso para os pobres e governo para os ricos. Mas Raquel, embora não duvide de sua inteligência e competência individual, representa a mais antiga oligarquia familiar existente na cidade. Foi prefeito seu avô, seu pai e agora ela vem renovar o que, na essência, é antigo. Evidente que uma mesma família pode produzir grandes lideranças, mas a repetição não pode ser originada em um tipo de “DNA superior”. Ela é produzida. Produzida quando o modelo político não privilegia a inclusão de novos quadros, a formação de novas e muitas lideranças, quando não há empoderamento popular, quando se escolhe como herdeiro político coincidentemente os que mantém o poder familiar. Caruaru precisa romper com essa tradição.
Aos que sinceramente defendem o voto em Raquel para evitar a vitória de Tony Gel, relembro que há apenas 4 anos foi a família Lyra que não viu diferença entre eleger Zé Queiroz ou Miriam, mantendo-se oficialmente neutra, embora com movimentos em favor de uma terceira candidatura. Ainda, uma campanha é também momento de testar qual o compromisso real com a nova política. Tenho orgulho de que a campanha de Jorge e Louise tenha sido limpa, propositiva, sincera. Mas não posso apoiar candidaturas que se utilizam de telefonemas anônimos, propagandas apócrifas, focadas em ataques pessoais. A nova política exige transparência, debate de ideias, não admite o vale-tudo pela vitória. Por isso, nem um nem outro dos projetos que se confrontam no segundo turno terá meu apoio. Nenhum deles somará esforços na superação da grande crise da democracia representativa que vivemos. Ou reencantamos a política ou o desencanto nos engolirá. Nenhum voto à velha política!
Sei que um dos dois candidatos ganhará a eleição e respeito o raciocínio daqueles que diante da difícil escolha optam pela menos ruim. Mas faço política por uma aposta mais radical de mudança. Não deposito nos mandatos e cargos a única possibilidade de transformação da realidade. É por isso que em resposta à polarização eleitoral que tomará as ruas da cidade nos próximos dias, ofereço minha disposição para construir com essa nova geração política que emerge em Caruaru, com os movimentos do campo e da cidade, um projeto coletivo, diferente, ideológico, consistente, de longo prazo, embora urgente. Retorno à sala de aula e à luta social na qual fui forjada. A crise que vivemos não será superada pelos governantes, nem por líderes iluminados. Será na iluminação do povo, de baixo pra cima, nas ruas, de mãos dadas, no aprendizado mútuo, na luta, na resistência ao golpe, nas múltiplas cores e ritmos, no resgate e na radicalização da democracia que ergueremos um novo tempo.
Saudações aos que têm coragem!
Louise Caroline, 33, cientista política, professora, foi candidata a vice-prefeita de Caruaru.