Engels, na Primeira Metade do século XIX, fez um relato detalhado das péssimas condições de vida do operariado urbano na Inglaterra, pós Revolução Industrial. Onde predominava a exploração, o trabalho infantil, jornada de trabalho exaustiva, baixos salários e nenhuma proteção social:
“Ponha um dos que advogam a obediência ao mestre numa avenida de acesso a uma fábrica, um pouco antes das cinco da manhã, para que se observe a aparência esquálida das crianças e de seus pais, arrancados tão cedo de suas camas, não importa o tempo que faça. Deixe-o examinar a miserável porção de comida, normalmente uma sopa aguada de aveia e bolo, também de aveia, um pouco de sal e, às vezes, completada com um pouco de leite, além de algumas batatas, um pouco de bacon ou gordura, para o jantar. Permanecem fechados em salas onde o calor é maior do que nos dias mais quentes do último verão, até a noite (se atrasarem alguns minutos, um quarto da jornada é descontado), sem intervalos, exceto os quarenta e cinco minutos para o jantar: se comem alguma outra coisa durante o dia, têm de fazê-lo sem parar de trabalhar. (…) Enclausurado em fábricas de oito andares, ele não tem descanso até as máquinas pararem, e então retorna à sua casa, a fim de se recuperar para o dia seguinte. Não há espaço para gozar da companhia da família: todos eles também estão fatigados e exaustos. Esse não é um quadro exagerado: ele é literalmente verdadeiro.”
Esse quadro só começou a mudar na segunda metade do século XIX, com a organização dos sindicatos e o surgimento de renovadores sociais, que vão paulatinamente regular as condições de trabalho, muito lentamente mesmo! Um grande impulso nesse processo, o estabelecimento dos direitos trabalhistas, foi dado pelo surgimento da URSS em 1917.
Não que a URSS fosse nenhum modelo de democracia ou de cidadania, mas o medo de que as condições sociais estimulassem revoltas semelhantes; levou a uma maior regulamentação do trabalho. Mais direitos e também a consolidação do Estado de Bem Estar Social. Basta consultar quando foram criados os sistemas de previdência, sistema de educação e saúde públicas, as políticas de habitação e a regulamentação do trabalho, seja nos EUA ou nos países europeus.
No Brasil as relações de trabalho foram reguladas pela CLT, Consolidação das Leis do Trabalho, em 1943, por Getúlio Vargas. Detalhando em minúcias os direitos trabalhistas, como: descanso semanal remunerado, férias, estabelecendo às oito horas de trabalho como sendo a jornada máxima diária. E estabelecendo as punições a quem desrespeitasse os direitos dos trabalhadores.
Porém no final do século XX, uma conjugação de vários fatores levou a erosão dos direitos trabalhistas pelo mundo. Passando pela crise do socialismo real, o fim do medo de uma Revolução Socialista, os avanços tecnológicos e o surgimento dos Tigres Asiáticos, que ofereciam um mercado de trabalho desregulamentado. Esses fatores, fizeram a balança pender para o lado do patronato.
O interessante é que o enfraquecimento e a retirada de direitos em escala global foram acompanhados de um discurso pasteurizado, e superficial, que é replicado em vários países, inclusive no Brasil agora mesmo! Os partidos de direita, principalmente, não afirmam que vão retirar benefícios e vantagens do trabalhador; que vão precarizar as condições de trabalho, e achatar a renda e a qualidade de vida. A estratégia é mais sútil e eficiente, afinal como disse Foucault, o discurso é a forma como se constrói o consenso e a dominação.
A palavra usada para vencer as resistências é “flexibilidade”. Afirmam que a “atualização” da legislação trabalhista será benéfica para o mercado de trabalho e empregados. Bem para tirar qualquer dúvida, basta ver o que está acontecendo, inclusive nos países desenvolvidos, onde ocorreu a desregulamentação da proteção ao trabalhador.
Nos EUA, não há uma CLT, mas havia a obrigação de que o empregado estivesse sindicalizado e que houvesse o estabelecimento de um acordo coletivo, para estabelecer os direitos da categoria e as obrigações dos patrões. Porém em muitos estados conservadores, republicanos, foram aprovados leis que “facilitariam” a contratação de empregados. A do Primeiro Emprego, por exemplo, extinguiu a obrigatoriedade da sindicalização, enfraqueceu os sindicatos e deixou os trabalhadores sem proteção nenhuma, já que só sindicalizados são cobertas pelo acordo coletivo.
Algumas grandes multinacionais não contratam mais empregados sindicalizados ou demitem os que se sindicalizam como a Wal-Mart ou Nissan. Ou fragilizam a vida do empregado como o sistema flexível de horas implantado, pela gigante, Starbucks, já que não existe uma norma clara que imponha limites a sanha do empresariado. Tornou-se comum nos EUA, um trabalhador ter que possuir dois empregos, para conseguir sobreviver, uma consequência direta dessa desregulamentação.
No Brasil com a aprovação do PL 4330, esse inferno descerá sobre nós, afinal até hoje, os direitos trabalhistas só eram respeitados porque havia a dureza da lei. Até agora, a terceirização só era permitida em atividades meio, ou seja, aquelas que não estavam diretamente ligadas a atividade final de uma empresa. Por exemplo, uma escola poderia terceirizar a limpeza ou a segurança, mas nunca os professores ou funcionários administrativos; um banco não poderia terceirizar os bancários, e assim por diante.
Porém com a aprovação do PL 4330, que foi votado em regime de urgência; será que essa era a principal preocupação do país no momento? Abriu espaço para a terceirização ampla, geral e irrestrita, as chamadas atividades fins. Todos os segmentos de uma empresa poderão ser terceirizados, executados por outras firmas sem nenhum vínculo direto com a contratante, TODOS!
Para dar um exemplo, as escolas não terão mais professores contratados, com o mínimo de direitos e estabilidade, podendo assim planejar o seu futuro. O que teremos será “pessoas jurídicas” prestando serviço a “pessoas jurídicas”. E será assim em todos os lugares: hospitais, fábricas , lojas e assim por diante.
Eu já tive o desprazer de ver o estrago provocado pela terceirização, na vida de familiares meus e em outros funcionários de empresas em que trabalhei. Em muitos casos, o empregado é chamado e “orientado”, forçado, a abrir uma firma para prestar serviço, se recusar-se é demitido. Acatando a “sugestão” receberá um valor fixo, pelo seu trabalho, o mesmo valor do seu salário líquido, porém a partir daí , as obrigações sociais e tributos serão pagos por eles . Extinguindo seus direitos ao FGTS, 1/3 de férias o 13º salário, ainda tendo que arcar com taxas como o ISS e o INSS; afinal agora ele é o seu próprio patrão. E se a empresa resolver descartá-lo, o contrato é rompido, e ele sairá com a mão na frente e outra atrás.
Mas a nova lei estabelece que terão que ser firmas especializadas em serviços, e que se não pagarem os direitos a contratante arcará, o trabalhador está protegido… Formarão, cooperativas de funcionários que terão que arcar com os custos trabalhistas, e a contratante só cobrará, que dos seus salários, eles cumpram as obrigações fiscais e legais.
É uma questão de lógica, uma empresa não irá contratar uma firma para pagar o que ela pagaria se todos os funcionários fossem dela. Ela irá querer economizar, pagar menos, a empresa terceirizada também irá querer lucrar, obviamente; e ela só conseguirá isso pagando menos ao trabalhador. Na cadeia de comando, a economia e o lucro sairão do bolso do trabalhador.
Um terceirizado recebe em média 30% menos que um funcionário do quadro e trabalha cerca de 3 horas a mais por dia. Por isso que o TST está pedindo um teto e um piso, que no máximo 30% do quadro dos funcionários de uma empresa seja terceirizado e que eles ganhem no mínimo 80% da renda de um funcionário do quadro. Mas, com esse congresso dominado pelo patronato, é difícil que passe tal medida. Aquele que era o objetivo de FHC, no seu primeiro mandato, “remover o entulho getulista”, foi finalmente cumprido pelo seu partido, o PSDB, e seus satélites.
Até hoje, nunca trabalhei em nenhuma empresa que tenha concedido nenhum aumento, ou dado alguma vantagem acima do mínimo estabelecido por lei. Talvez eu seja azarado, quem sabe… Porém a partir de agora, a CLT começou a ser esquartejada, pelos conservadores e libertários, trazendo a instabilidade para o cotidiano dos trabalhadores. Onde nem mesmo o mínimo está garantido, triste dia para o trabalhador brasileiro.
A flexibilização da CLT e a terceirização são eufemismos, para precarização do emprego e das condições de trabalho. Mostrando o quanto o conceito de luta de classes permanece vívido e palpável, com direitos arduamente conquistados sendo jogados na lata do lixo da história.
*Mário Benning é Mestre em Geografia e Professor no IFPE/Caruaru. Texto do Blog Caruaru Vermelho