Opinião – Negro, hoje é dia de reflexão – por Aristóteles Veloso*

Mário Flávio - 21.03.2015 às 16:50h

Nosso pensamento comum quando falamos de discriminação racial é que no Brasil não existe racismo. Deparamos-nos com afirmações do tipo, “Não somos racistas! Não existem raças! Racismo é coisa de preto! Já foi provado cientificamente que raça não existe, por que discutirmos isso”. Pois bem! Então por que no mundo todo, no dia 21 de março de cada ano, a ONU relembra o triste episódio de 1960, quando dezenas de manifestantes foram mortos a tiros pela polícia no município sul-africano de Sharpeville, quando eles protestavam contra o apartheid? 

No Brasil nosso racismo se apresenta de forma “camuflada”, de uma forma perversa, mais perversa do que se ele fosse explícito, como no caso dos EUA e da África do Sul, com seus regimes de separação e de violência aberta contra os negros, claro que são fatos históricos que não mais existem, mas que deixaram sequelas em ambas as sociedades. No nosso país acreditamos que não existe racismo, por isso ser tão difícil a sua discussão e a implementação de ações afirmativas. A sua negação faz parte também de um discurso oficial e acadêmico surgido na década de 40 com a obra de Gilberto Freyre Casa Grande e Senzala e a ode oficial do governo sobre nossa mestiçagem, produto de relações raciais pacíficas e harmoniosas. Nosso racismo é de cor, discriminamos pela cor, não pela raça. Junto à cor, atrelamos a dimensão de classe, o NEGRO POBRE. Junto à cor, a dimensão religiosa de matriz africana, NEGRO MACUMBEIRO. 

Junto à cor, a dimensão cultural, a capoeira, NEGRO MALANDRO. Junto à cor, a estética, NEGRO FEIO. Junto à cor, a dimensão da sexualidade, NEGRA PUTA. Junto à cor, a repressão policial, NEGRO BANDIDO. Essa representação perpassa o imaginário coletivo de nossa sociedade, cor em nosso país é um substituto de raça, por isso que discutimos e denunciamos o racismo. 

Mas alguém pode dizer, “que radicalismo, eu não penso assim, veja aquele negro bem sucedido, veja aquela negra que bonita, veja aquele negrinho como é inteligente e honesto”, esses exemplos particulares não apagam e não abrandam o racismo em nosso país. Análise social se faz com o que é geral e não o que é exceção, esses fatos particulares são exceção de uma regra, a regra da discriminação, da exclusão, da desigualdade e dos assassinatos. Na década de 70 essa tese da não existência do racismo foi combatida pelos movimentos sociais e por intelectuais negros que demonstraram em números oficiais que a desigualdade entre brancos e negros em nosso país existe e é gritante. Não vou mencionar dados, pois eles estão aí aos montes e sendo divulgados aos milhares, só se é contra a essa tese do racismo em nosso país, o racista ou o mal informado.

Hoje é um dia de reflexão! Dia de olharmos a nossa volta e ver onde estão nossos negros? Quem são nossos negros? Como vivem? Como morrem? Sua situação em nossa sociedade. Não é dia de celebração, é dia de luta, de visibilizar nossas dores e nossas feridas, mostrar para sociedade que nos invisibiliza e que nos representa de forma tão negativa o que queremos. Hoje é dia, NEGRO, de se ver no espelho e ver o quão belo somos e quanto ainda temos que lutar para que nossa beleza e nossas tradições sejam respeitadas e vistas tão belas quanto as outras. Essa data não é mais uma data festiva, muito pelo contrário, é um dia garantido, com a atenção voltada às lutas dos povos negros contra a opressão e a discriminação racial. Dia de nos impor enquanto sujeitos de direitos e de deveres, de refletirmos sobre o que e em que lugar nossa sociedade nos coloca e nos representa, NEGRO, hoje é dia de reflexão.

*Aristóteles Veloso – Gerente de Direitos Humanos da Secretaria Especial da Mulher e Direitos Humanos e professor da UNIFAVIP/Devry.