Recentemente a sociedade brasileira se defrontou com algumas tentativas fracassadas de uma volta a passado, me refiro, há um grupo de admiradores dos governos militares no Brasil, que fazem uso das redes sociais e nos mês passado convocaram o que significaria a reedição das “Marchas da Família com Deus e pela Liberdade”, estas que durante a década de 1960, instalaram no país um ambiente de satanização das esquerdas e do comunismo, clima que propiciaria o golpe de 31 de Março de 1964, tentativa que deixou muita gente de Direita, Centro e Esquerda perplexos, já que neste ano completamos 50 anos do fatídico golpe civil-militar de 31 de Março de 1964, além desse sentimento, tomou conta de nós a preocupação, se não com o futuro do país, mas com o autoritarismo que parece ainda no século XXI, encantar muita gente.
O resultado das convocações feitas via internet, se mostraram fracassadas, com exceção de estados do sudeste que reuniram cerca de mil pessoas em algumas manifestações, o Recife, por exemplo, tivemos seis pessoas reunidas do Derby, o esperado por mim e por muitos outros brasileiros. Seria muita desinformação, até falta de bom senso pensar que existiriam a tal reedição das “marchas” com números expressivos, elas só ocorreram na década de 1960, porque os setores conservadores da Igreja Católica, movimentos e entidades da sociedade civil e o empresariado mobilizou e patrocinou o movimento com a conveniência de milhares de autoridades e da ajuda estrangeira, mas especificamente dos EUA.
O leitor caruaruense, pode não conhecer profundamente essa época e como estava situado nosso município naqueles tempos tenebrosos de repressão, violação de direitos e garantias civis. O clima que antecedeu o golpe civil-militar em 31 de Março de 1954, em Caruaru não foi muito diferente de muitos municípios de médio porte, basta lembrar que passávamos do expressivo numero de 140 mil habitantes, na cidade, assim como em muitas outras havia a presença de movimentos sindicais, e de organizações rurais, bem como também da presença estruturada do PCB, (Partido Comunista Brasileiro), o antigo “partidão”. Falei muito rapidamente das “Marchas da Família com Deus e pela Liberdade”, pois bem, para quem não sabe, tivemos uma “marcha” em Caruaru realizada no dia 10 de Abril, convocada pela Diocese de Caruaru, a imprensa em Caruaru, mas especificamente o antigo semanário “A Defesa”, que circulava não só em Caruaru, mas em Campina Grande, Recife, Maceió e outras cidades foi quem noticio, o jornal era um órgão ligado a Igreja, a data da marcha foi alterada já que a Prefeitura e outras entidades na época marcaram um ato comemorativo, tivemos ano mesmo dia homenagem da Câmara de vereadores a representantes militares, inclusive a entrega de títulos de cidadão caruaruenses a altos comandantes do Exercito, Força Aérea e Marinha.
O bispo da época Dom Augusto Carvalho celebrou até missa em ação de graças, tivemos inclusive um clero dividido entre conservadores e alguns poucos progressistas à esquerda, como não lembrar do Pe. Pedro Aguiar e suas atividades no Monte Carmelo no Salgado, algumas delas tidas como subversivas pelos militares, tanto que teve sua prisão cogitada pelos militares, assim como outros membros ligados a Igreja que acabaram não enfrentando prisão e tortura, por que Dom Augusto Carvalho impediu. Hoje através de testemunhos, documentos, alguns deles do DOPS em Recife, demonstram o quanto nossa cidade foi vigiada, e que muitos cidadãos da época, alguns deles ainda vivos, tiveram suas vidas vasculhadas e foram presos nos primeiros dias do golpe em 1964, um deles o amigo “Sisi”, Francisco de Assis Claudino, seu nome esta entre essas documentações.
Além de membros da Igreja envolvidos com o processo, tivemos cidadãos da cidade, intelectuais que foram grandes entusiastas da “revolução democrática”, ou “contrarrevolução” como nossos jornais proclamavam, um deles o Jornal Vanguarda, inclusive, o diretor do jornal na época era um desses entusiastas. Outro desses cidadãos foi o Dr. Luiz Pessoa da Silva, intelectual que até hoje é lembrado na cidade, ele escreveu louvores ao golpe civil-militar, assim como outros escritores da época, entidades aqui como o Circulo Operário fizeram gratas homenagens aos militares em evento lotado de pessoas em sua antiga sede. Há ainda fatos curiosos como envolvimento do falecido Monsenhor Bernardino de Carvalho, na época padre e sua emblemática relação com a Ditadura, ele foi o responsável pelos esforços que culminam com o decreto do governo no ano de 1969, que reconhecia a FAFICA – Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Caruaru como instituição de ensino superior, dadas as proporções para a época e o contexto, já que o decreto foi expedido meses após o AI-5 (Ato institucional de numero 5), que acelerou ainda mais a repressão e a violação de direitos civis no país, e no governo de Médici.
As descobertas são tantas sobre o período, e a tarefa de reconstruir um trecho dessa história que não vivi, mas meus avôs, e pais viveram é de grande estima ainda mais no ano e que refletimos sobre os 50 anos do que inauguraria um regime que a muitos eliminou e silenciou em detrimento de uma ideologia de moralização, autoritarismo, e combate ao comunismo. Sinto-me entusiasmado em ter essa missão, que vai muito além de concluir meu mestrado na UFPE sobre o tema, e continuar minha pesquisa que já tem 2 anos, é a de ser “sacerdote do passado” como diria o historiador Marc Bloch.
A foto registra reportagem do Jornal Vanguarda sobre a entrega de títulos de cidadãos caruaruenses pela Câmara Municipal de Vereadores de Caruaru à representantes das Forças Armadas.
*John Silva – É professor formado pela FAFICA, mestrando em História pela UFPE, Presidente da Associação dos Moradores do Severino Afonso, Presidente da JPSD Pernambuco e ex-líder do Centro Acadêmico de História Luzinete Lemos.