Opinião. Erton Cabral, a perda de um vencedor e a luta desigual pela dignidade. Por Cláudio Soares*

Mário Flávio - 05.03.2012 às 08:30h

A vida nem sempre é justa. Conhecemos essa retórica desde os tempos mais remotos. Para o brasileiro pobre, não basta sair todo dia de casa, brigar contra todos os leões da esquina e levar uma vida digna. Quando um ser bestial decide agir, acho que às vezes nem Deus consegue intervir por causa da maldade que corroí o coração humano.
Erton Cabral era um jovem pobre que saiu de Taquara, logo ali, depois do Alto do Moura, para ganhar o mundo. E estava conseguindo. Sua relação com a arte e a cultura, quando como ator protagonizou um dos marcos do teatro caruaruense, a peça Amor Em Tempo de Servidão, parecia ser a porta para que seu espírito de grandeza humana pudesse ser mais leve e voasse cada vez mais alto. Seu crescimento e seus conhecimentos eram visíveis e mereceram os melhores elogios dos amigos, dos colegas e de seus companheiros de universidade. Sua tenacidade e sua obstinação o levariam cada vez mais longe, mais alto.
Mas, eis que a vida, nem sempre justa, põe no seu caminho um cretino assassino cruel e, num piscar de olhos, o coloca longe de nosso convívio com uma violência igualmente cretina e desmedida. E nesta lamentável história ainda existe um capítulo tão vil quanto o seu fim. A presença de alguns comunicadores, se intitulando radialista e blogueiro, causou profunda indignação aos artistas de Caruaru, aos estudantes da UFPE e, mais ainda, aos familiares.

A tentativa de exposição da sua vida íntima, como se ela fosse mais importante que a sua história de vida, expõe também a fragilidade com que setores da imprensa local tratam como desigual os iguais. Aliás, não é só na imprensa. Que interesse pode haver em se questionar se a vítima era ou não homossexual, como fez integrantes da polícia? Por acaso, a alguma outra vítima de crimes semelhantes é perguntado se ela era heterossexual? Dignidade é uma moeda cada vez mais rara. Erton Cabral batalhava para encontrá-la e chegava cada vez mais perto.

*Cláudio Soares: Ator, diretor de teatro, amante das artes e indignado com a violência e a hipocrisia.