
A máxima da administração pública diz que os atos dos gestores devem seguir os princípios da legalidade, moralidade, publicidade, eficiência e impessoalidade. Este último, porém, parece ter virado letra morta nas festas financiadas com recursos públicos em Pernambuco e em outros estados do Nordeste. Em nome do marketing pessoal e da exposição de aliados e familiares, prefeitos vêm se apropriando de eventos populares como se fossem palanques privados.
Sem falar no festival de abraços para os gestores nas festa, o que aconteceu em praticamente todos os eventos. O caso mais recente que chamou atenção foi o do prefeito de Gravatá, Joselito Gomes (Avante), alertado pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE-PE) por, supostamente, usar o São João para promover a imagem da primeira-dama Viviane Facundes, que é pré-candidata a deputada estadual. Ela dividiu o palco com grandes nomes como Wesley Safadão e João Gomes, numa atuação que foi lida por muitos como mais promocional do que cultural.
Mas o episódio de Gravatá está longe de ser isolado, mas curiosamente foi o único citado pelo TCE. Em Araripina, no Sertão pernambucano, o São João teve um momento constrangedor e simbólico: o humorista Tirulipa, contratado como apresentador, beijou na boca o prefeito Evilásio Mateus (PSB) em pleno palco. O gesto reforça o uso do espaço — que deveria ser de promoção da cultura e dos artistas locais — como extensão de vaidades políticas. O papel de apresentador, tradicionalmente exercido por talentos da região, foi substituído por uma figura de projeção nacional, como se fosse necessário um aval do entretenimento televisivo para legitimar o evento.
O Festival de Inverno de Garanhuns (FIG), que sempre foi referência por valorizar a cultura de forma plural, também entrou na lista. O cantor Zeca Baleiro usou o show para criticar a extensa passarela que separa o público do palco, reservando espaço privilegiado para autoridades e convidados. Em vez de considerar o ponto de vista do artista, o prefeito Sivaldo Albino (PSB) subiu ao palco para justificar a estrutura e, ainda, aproveitar a visibilidade para anunciar a próxima edição do festival. O gesto, repetido diariamente durante o evento, transforma o palco em espaço de campanha antecipada.
Fora de Pernambuco, o cenário não é diferente. Em Maceió, durante show de Wesley Safadão, o cantor se referiu ao prefeito JHC (PL) como “meu governador”, em uma clara alusão à sua pré-candidatura para 2026. Já em Aracaju, a prefeita Emília Corrêa (PL) subiu ao palco para anunciar que o cantor voltará à festa no próximo ano com emenda garantida do deputado Thiago de Joaldo (PP). O próprio parlamentar reforçou o “compromisso” ali mesmo, diante das câmeras e de milhares de pessoas, em pleno Forró Caju.
Os eventos populares, como São João e festivais de inverno, são símbolos da identidade nordestina, espaços de celebração coletiva, geração de renda e valorização da cultura. Usá-los como vitrines eleitorais é desrespeitar não apenas o princípio da impessoalidade, mas a própria natureza desses encontros. O dinheiro é público. A festa também. Mas os holofotes parecem cada vez mais direcionados para os mesmos protagonistas — e não são os artistas.
A linha entre celebração e promoção pessoal está sendo cruzada sem cerimônia. E se as instituições de controle não agirem com firmeza, corremos o risco de ver o São João e tantos outros eventos se tornarem apenas palcos de campanhas disfarçadas.