Na última pérola do repertório político nacional, o presidente Lula lançou a seguinte frase com a naturalidade de quem fala sobre tomar um café: “Se eu não for ao STF, não governo.” Sim, você não leu errado. Segundo o próprio presidente da República, para exercer o cargo mais poderoso do país, ele precisa de uma carteirinha de visitante permanente do Supremo Tribunal Federal. Que belo resumo da nossa jovem, porém cansada, democracia.
Ora, não seria mais honesto rebatizar o Planalto de anexo do STF? Ou melhor: fundir os dois em um superpoder chamado Executivo-Judicial do Brasil, onde as leis se interpretam conforme o humor do dia e a governabilidade depende do número de ministros do Supremo dispostos a tomar café com o presidente.
A fala, claro, pode ter sido apenas mais uma tirada espirituosa do presidente — mas como quase sempre ocorre, as piadas de Lula dizem mais sobre o estado real das coisas do que longos discursos técnicos. Porque se ele precisa mesmo “ir ao STF para governar”, algo está muito errado: ou o Judiciário virou um puxadinho do Executivo, ou o Executivo virou refém de decisões judiciais.
O mais curioso é que Lula, que tanto criticou a judicialização da política durante a Lava Jato, agora parece muito à vontade com a politização do Judiciário. Hoje, em vez de bater na porta do Congresso para negociar, bate à porta do Supremo para “conversar”. Porque aprovar projeto é trabalhoso, exige articulação, base aliada, votos. Já um bom despacho de ministro pode resolver tudo com um toque de caneta. É mais rápido, mais eficiente — e, convenhamos, menos democrático.
O problema, senhor presidente, é que governar não é sobre ir ao STF. É sobre respeitar a Constituição, articular políticas públicas, liderar um país. Se o senhor só consegue governar após passar no cafezinho do Supremo, talvez o problema não esteja no Judiciário — mas no próprio governo 3.0.
E se o STF é agora condição para a presidência funcionar, que tal oficializarmos o quarto poder? Ou entregamos logo a faixa presidencial ao presidente do STF e transformamos o Brasil num regime de tutela judicial? O Brasil precisa de diálogo entre os Poderes — sim — mas sempre dentro dos limites constitucionais. O que não se pode aceitar é a naturalização de práticas em que o Executivo governa apenas quando obtém sinal verde do Judiciário, como se a vontade de um poder devesse subordinar os demais.
Ironias à parte, essa frase precisa ser discutida com seriedade. Porque quando um presidente diz que não governa sem o STF, o que ele está admitindo — com todas as letras — é que a balança entre os Poderes perdeu o equilíbrio. E democracia desequilibrada, senhoras e senhores, é o primeiro passo rumo à instabilidade.
