Educação para Cumprir Tabela? – por João Antônio*

Mário Flávio - 28.04.2021 às 16:02h

No jargão futebolístico, usa-se a expressão “cumprir tabela” para descrever aquelas partidas nas quais um time não ganharia nem perderia nada… tipo o lanterna já rebaixado enfrentando seus últimos adversários no campeonato: nenhum benefício se pode tirar de tais confrontos, mas é obrigatório entrarem em campo para “cumprir tabela”.

Depois de mais de um ano de efeitos nefastos na educação do país inteiro, em especial na educação pública, resultados da pandemia de Covid, pouco se fez para compensar ou diminuir os prejuízos às maiores vítimas: os alunos.

Já em Agosto de 2020, ciente de que o fechamento das escolas já tinha excedido, em muito, os “15 dias para achatar a curva”, eu comecei a defender abertamente uma ideia que foi duramente criticada por ouvidos e corações mais “sensíveis”: O ano letivo de 2020 deveria ser CANCELADO.

Apesar de válida para todo o território nacional, cada qual com a sua realidade específica, eu defendi a ideia de cancelamento especialmente para Caruaru, pelo resultado desastroso das tentativas da gestão municipal de educação de “compensar” a impossibilidade das aulas presenciais.

Alguns defensores do fechamento das aulas presenciais diziam “não é necessário cancelar o ano de 2020, a gente recupera lá no final do ano” ou, “o on-line resolve a falta das aulas presenciais”, ou ainda (o meu preferido): “ano letivo se recupera, vidas não!”.

Mesmo com todos os esforços de uma cambaleante “TV Câmara” para transmitir as aulas a todos os alunos da cidade, o que efetivamente não acontecia já que o sinal da TV mal chegava ali nas Rendeiras, a população da Zona Rural de Caruaru ficou praticamente desassistida (ô novidade!) também das aulas.

Passa-se o período eleitoral; o Coronavírus retorna de suas férias; a pandemia toma, novamente, a prioridade nos noticiários e no imaginário popular; e a educação (ou falta dela) continua a ser tabu (assunto que não pode ser discutido) – exceto no tocante à falta de merenda (tópico que, sim, fez muito barulho!).

Qual a minha surpresa (adianto: nenhuma) em saber que as aulas presenciais na rede municipal estão voltando (com professores ganhando 7,47 por hora) e todos os alunos que deixaram de assistir aulas naquele fatídico Abril de 2020 vão retornar agora como se tivessem sido aprovados, ou seja, numa série superior àquela que abandonaram (não, não tem verbo melhor para descrever! É “abandonaram” mesmo!).

Eu acho muito improvável que esses alunos (a maioria, claro) estejam aptos a serem transpostos de ano letivo assim, por conveniência.

Essa é a pior decisão que uma gestão / um professor / uma escola / uma pedagoga pode tomar para o futuro destas crianças: passá-las de ano sem que tenham condições para isso.

O conteúdo que é ministrado no 6º Ano, lá quando as crianças estão entre seus 11 a 12 anos, NECESSITA do conteúdo ministrado e bem adquirido no 5º Ano, que necessita, por sua vez, dos anos anteriores (é, eu sei, isso é praticamente UTOPIA no Brasil).

Teoricamente, todo gestor de educação deveria saber disso – pois até quem não é da área de educação SABE! Não importa se o gestor é carismático, popular, recluso ou blogueiro… ele tem que entender que seu trabalho é PARA OS ALUNOS!

Passar alunos sem as devidas comprovações de conteúdo adquirido é conveniente para a gestão, para as escolas e até mesmo para os trabalhadores da educação (afinal de contas, os números de alunos aprovados “atestam” a qualidade da educação, né?), mas não o é para os principais interessados: os alunos.

Passar alunos “apenas por passá-los” (sem comprovar que o conteúdo foi adquirido) é educação para “cumprir tabela”: para justificar salários da folha de pagamento, para justificar dinheiro derramado nas escolas, para cumprir metas que não medem o que deveriam medir.

Quando a educação pública (em geral a brasileira, mas em especial a caruaruense) passará a pautar suas ações na evolução das crianças e jovens e não no benefício a gestores, escolas e servidores? Quando o foco mudará realmente para o ALUNO, seja na mais simples questão: a merenda, até o ponto mais difícil de medir: a qualidade da aquisição do conteúdo?

Como professor que ama educar (redundância), repetir tudo isso cansa! E cansa muito!

Mantendo-me fiel às comparações esportivas: há muitas temporadas (gestões), a educação é lanterna no interesse dos governantes… e seus responsáveis (gestores e servidores) teimam em negar que estão na zona de rebaixamento, contanto que ainda recebam seus patrocínios.

E, para piorar, muitos destes que decidem e opinam (seriam os “cartolas”) nunca calçaram chuteiras e entraram em campo para “comer grama” (ou “cheirar pó de giz”) por seu time e sua torcida.

Tá longe a solução – especialmente porque quem deveria solucionar NÃO QUER.