Artigo – Democracia diabética – por Juliano Domingues*

Mário Flávio - 24.12.2017 às 10:14h

O Brasil está doente. Suas instituições políticas têm cronicamente se deteriorado de modo paulatino. Assim como a América Latina em geral, o País sofre de democracia diabética, enfermidade capaz de nos levar a uma espécie de necrose institucional. O diagnóstico é do Latinobarômetro, ONG com sede no Chile, responsável pela publicação anual do resultado de 20 mil entrevistas aplicadas em 18 países.

Às portas de 2018, ano eleitoral, os resultados alertam para o risco de colapso do sistema. Nosso tecido social está fortemente comprometido pela descrença. Na América Latina, 30% se dizem satisfeitos com a democracia. No Brasil, a situação é pior: apenas 13% possuem esse sentimento. Além disso, 97% dos brasileiros acreditam que se governa apenas para os poderosos, enquanto o povo é esquecido. Em termos de relações interpessoais, vive-se um salve-se quem puder. Somente 7% dizem confiar nos outros.

Pode servir de consolo o fato de não haver forte evidência da associação entre confiança interpessoal e democracia. O que conta, mesmo, é a confiança nas instituições. O problema é que, nesse ponto, a situação também é crítica. Somos o país cuja população menos confia nos governos (8%) e nos partidos políticos (7%). Por outro lado, estamos, entre os que mais confiam nas Forças Armadas (50%). A partir da série histórica de dados (1996-2017), percebe-se o quanto a tese da democracia consolidada é falaciosa. Essa percepção é ainda maior entre a população. Apenas 1% considera o Brasil uma democracia plena.

Também não se sustenta nos números a hipótese segundo a qual está em curso um processo de consolidação democrática. Os indicadores políticos e sociais apontam para um movimento de “desconsolidação”. O Brasil é o último na escala de desenvolvimento democrático (4,4) ao lado de El Salvador e abaixo da média latino-americana (5,5). Sabe-se que a genética é um forte fator de risco quando se trata de diabetes. Sem se desvencilhar do nosso legado autoritário, o processo de redemocratização do Brasil nunca passará de um mal entendido.

Os números do Latinobarômetro apenas reforçam o que parte minoritária dos pesquisadores em Ciência Política no Brasil alerta há um bom tempo: vive-se uma aparência de democracia. Essa talvez seja a maior ameaça à recuperação do paciente. Mas o pulso ainda pulsa. Só não se sabe até quando.

*Juliano Domingues é doutor em Ciência Política, com pós-doutorado em Comunicação, e professor da Unicap.