A democracia liberal está sob ataque. Antes preocupação restrita a estudiosos de mídia e política, o tema ganhou a capa da edição da semana passada da prestigiada revista The Economist com a pergunta retórica “As mídias sociais são uma ameaça à democracia?”.
Democracia pressupõe livre circulação de informação das mais diversas fontes. Isso seria condicionante necessário ao entendimento esclarecido e ao debate sobre temas de interesse público. Cidadãos imersos nesse contexto estariam mais aptos a participar efetivamente e a tomar decisões de modo autônomo.
Na internet, essa dimensão seria reforçada. As tecnologias da informação e da comunicação reduziram brutalmente o custo de informação. A popularização de dispositivos móveis superou boa parte das barreiras geográficas e permitiu a interconexão de indivíduos. Reduziu-se também o custo de mobilização e de participação, o que incentivou os mais diversos protestos ao redor do mundo.
Parte da história da internet relaciona-se à liberdade de expressão, participação e cooperação. A tecnologia que liberta, porém, é a mesma que aprisiona. Nesse sentido, a capa da publicação britânica é um primor em termos de síntese jornalística. A manchete é acompanhada pela foto de uma mão empunhando a logo do Facebook como se esta fosse uma arma ainda fumaçando.
O que haveria de errado com as mídias sociais digitais? Os números ajudam a dimensionar o tamanho do problema. Agentes a serviço da Rússia teriam disparado conteúdo inverídico entre janeiro de 2015 e agosto deste ano a 146 milhões de usuários de Facebook. Parte do plano do Kremlin incluiria, ainda, 1.108 vídeos no YouTube e 36.746 contas de Twitter.
Na internet, a escala do fluxo de informação é espetacular. Ao propagar mentiras, as redes sociais desvirtuam a participação política, fomentam a incivilidade e incitam a polarização desinformada. A disseminação avassaladora de notícias falsas (fake news) para além de bolhas ideológicas mergulha o debate público no obscurantismo da pós-verdade.
Ao invés de contribuir para a resolução pacífica de conflitos, as redes sociais têm se notabilizado por naturalizar o acirramento e promover a intolerância. O foco da The Economist é a macropolítica. Mas não é preciso ir muito longe. A prática está nos microambientes. Basta percorrer sua timeline neste momento.
*Juliano Domingues é doutor em Ciência Política e professor da Universidade Católica de Pernambuco.